segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Crítica – Rota 66: A Polícia Que Mata

 

Análise Crítica – Rota 66: A Polícia Que Mata

Review – Rota 66: A Polícia Que Mata
Escrito por Caco Barcellos, o livro Rota 66 é um dos melhores exemplares do jornalismo literário brasileiro, demonstrando de maneira contundente a truculência da polícia de São Paulo e o modo como eles matavam indiscriminadamente, forjando cenas de crime quando o morto era uma pessoa inocente. A série Rota 66: A Polícia Que Mata é baseada no livro de Barcellos e relata alguns dos casos absurdos de inocentes mortos pela brutalidade policial.

A trama acompanha o trabalho de investigação de décadas empreendida por Caco Barcellos (Humberto Carrão) para revelar as ações violentas da PM paulista, que tratava pessoas periféricas como bandidos e constantemente matava inocentes. Os episódios também se debruçam sobre as consequências dessa violência nas famílias das vítimas e como, mesmo depois de anos, elas tem dificuldade de se recuperar. Nesse sentido a série destaca o arco do sargento Homero (Ailton Graça), policial da Rota que passa a questionar seu trabalho depois que o filho, estudante de direito prestes a se formar, é morto por seus colegas de farda.

A série revela as dificuldades de Barcellos em conseguir os dados sobre a letalidade policial e também em falar com as famílias das vítimas, considerando como o jornalismo brasileiro costuma só ouvir a polícia ao narrar essas histórias, tomando o lado da polícia e agindo quase como uma assessoria de comunicação da corporação. Um exemplo disso acaba sendo o programa policialesco apresentado pelo personagem de Nizo Neto, que serve como uma síntese para esse tipo de atração televisiva que permeia o meio até hoje. Nesse sentido, o jornalismo empreendido por Caco, calcado em análise de dados e ouvir múltiplas fontes, serve como um contraponto a esse modelo de jornalismo sensacionalista e simplório que divide o mundo em bons (a polícia) e maus (qualquer um que seja morto pela polícia) sem entender a complexidade dos eventos.

A trama também tenta explorar as consequências do trabalho de Barcellos em sua vida pessoal, principalmente no impacto disso na relação que ele tem com o filho de seu primeiro casamento e nas idas e vindas com sua segunda esposa, Luli (Lara Tremouroux). Esse aspecto, porém, acaba sendo o menos desenvolvido na série, com essas figuras da vida pessoal do protagonista existindo quase que exclusivamente para serem alvo de ameaça ou alienação por parte do trabalho dele.

Por outro lado a trama acerta ao mostrar como a violência policial impacta as famílias daqueles que perderam alguém, acompanhando mães, filhos e pais que perderam parentes e suas dificuldades ao longo dos anos, incluindo cenas em grupos de apoio nas quais vemos essas personagens tentando buscar conforto e alguma medida de justiça que raramente chega, com esses policiais seguindo impunes por décadas. Como a série mostra, as raras chances de justiça vem quando alguém de dentro da corporação denuncia a brutalidade da PM. Ao mostrar como as condutas violentas impactam também os policiais e como há gente decente na polícia a série também evita maniqueísmos fáceis, jamais reduzindo a integralidade da corporação como vilões ainda que reconheça as estruturas de poder que permitem a perpetuação da violência e impunidade policial.

O trabalho de Ailton Graça é particularmente eficiente em mostrar o conflito de um homem que acreditava que seu trabalho enquanto policial era moralmente correto até ter a própria família vitimada pela brutalidade que ele ajudou a cultivar. Ao longo da série Graça demonstra a desilusão de Homero, cujo olhar e tom de voz deixam evidente que estamos diante de um homem destruído, uma casca vazia do que fora um dia. Do mesmo modo, Graça nos deixa ver o afeto enorme que Homero tinha pelo filho e posteriormente por Tales (Wesley Guimarães), um jovem PM que denuncia a violência de seus superiores. É visível como o cuidado de Homero com Tales é, para o personagem, uma tentativa de se redimir por ter fracassado em manter o filho seguro.

Terminando a narrativa na década de 90 com o massacre no Carandiru, a série mostra como os anos de impunidade dão abertura para violências cada vez maiores e como pouco mudou nos dias atuais. Rota 66: A Polícia Que Mata é um contundente exame da conivência de nossa sociedade com a brutalidade policial, revelando a importância do jornalismo em trazer a público aquilo que as autoridades querem ocultar.

 

Nota: 9/10


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