quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Crítica – American Crime Story: Impeachment

 

Análise Crítica – American Crime Story: Impeachment

Review – American Crime Story: Impeachment
Depois de uma segunda temporada que se complicava desnecessariamente com uma cronologia invertida em O Assassinato de Gianni Versace, em Impeachment a antologia American Crime Story volta ao alto nível da primeira temporada, O Povo Contra OJ Simpson. Assim como em seu ano de estreia, a série apresenta um olhar que entende a complexidade dos eventos narrados sem se perder nas firulas narrativas do segundo ano.

A terceira temporada gira em torno dos eventos que levaram ao impeachment do presidente Bill Clinton (Clive Owen) na década de 90 por conta das denúncias de que o presidente estaria tendo um caso com a estagiária Monica Lewinsky (Beanie Feldstein) após denúncias da servidora da Casa Branca Linda Tripp (Sarah Paulson).

 

As contradições de Linda Tripp

No centro de tudo está Tripp, que foi duramente vilipendiada pela imprensa e sociedade estadunidense à época do escândalo, transformada em alvo de zombaria por sua conduta e até mesmo por sua aparência, como no antológico esquete do Saturday Night Live em que foi interpretada por John Goodman. A série, no entanto, apresenta um retrato mais humano de Tripp, entendendo a complexidade por trás de suas motivações.

De um lado Tripp é movida por um senso de correção moral ao ver um presidente usando de sua posição de poder para se envolver com mulheres muito mais jovens e depois entregando cargos para silenciá-las, claramente tirando vantagem da posição que exerce. Por outro, a performance de Paulson deixa visível que Tripp não faz isso apenas por bondade no coração, já que há uma boa medida de rancor guiando sua conduta, amargurada por ter estagnado na carreira, se sentindo passada para trás por mulheres mais jovens e cansada de ser subestimada por sua aparência. Nesse sentido, suas ações são, de certa forma, uma tentativa de se fazer notar e provar o próprio valor.

Ou seja, é perfeitamente possível que Tripp não se incomodasse com as indiscrições de Clinton se ela estivesse nos altos cargos no centro do poder que julgava merecer. Além disso, os métodos de Tripp em montar seu caso também são questionáveis, já que ela se aproxima de Monica por puro interesse ao descobrir que a jovem está em um relacionamento com alguém da Casa Branca e usa as inseguranças de Monica para fazê-la se abrir, inclusive estimulando a colega a insistir em sua relação com Clinton apenas para produzir mais material incriminador contra o presidente.

A cena do testemunho de Tripp no penúltimo episódio mostra exatamente isso, como o júri desmonta as justificativas de Tripp de que ela era movida apenas por um senso de dever para com o país e mostrando todas as instâncias em que ela agiu de modo antiético ou em benefício próprio. No fim, por mais que reconheça que Tripp estava correta em denunciar os abusos de poder e que ela foi injustamente vilipendiada, também entende que muito da infâmia que Tripp cultivou é fruto de suas próprias ações. Movida por rancor e por egocentrismo, Tripp iniciou um escândalo político com o intento de se mostrar como uma grande servidora pública. Ela conseguiu a atenção que almejava, mas os resultados foram o inverso do que imaginara.

 

A ascensão da extrema direita

Fica implícito, inclusive que Tripp é também movida por inclinações políticas de direita, como fica evidente por algumas de suas conexões em Washington. A editora de direita vivida por Margo Martindale é inclusive quem lhe estimula a gravar as conversas com Monica, mentindo sobre a ilegalidade do ato. Nesse sentido, a série é também um estudo de como o escândalo Clinton é responsável por moldar a extrema direita estadunidense tal qual conhecemos hoje. Toda a estrutura de “guerra cultural”, analisando as ações dos opositores sob um microscópio para fabricar escândalos e desestabilizar a república já começa a ser mobilizada aqui. Figuras que posteriormente seriam proeminentes no ecossistema da extrema direita, como Ann Coulter (Cobie Smulders) ou George Conway (George Salazar), já estavam presentes aqui, tentando forçar uma situação em que Clinton mentiria (é óbvio que seu primeiro impulso seria negar) apenas para pegá-lo na mentira e construir uma base para impeachment.

A narrativa aponta as hipocrisias desses operativos de direita, que diziam estar do lado das mulheres abusadas por Clinton, mas as usaram como peões em seus jogos de poder, descartando-as assim que cumpriram sua função, algo que fica evidenciado no desfecho de Paula Jones (Annaleigh Ashford), abandonada sem qualquer suporte depois de posta nos holofotes, ostracizada e tendo que se humilhar para conseguir pagar as contas. Na verdade, eles se importavam tão pouco em ajudar as mulheres, que “gastaram” suas oportunidades com casos sensacionalistas e pouco substanciais ao ponto em que quando conseguiram uma evidência de crime sexual real perpetrado por Clinton, a testemunha se perde no fluxo de notícias como “mais uma das mulheres do Clinton”.

Mesmo com essa derrota no impeachment, a trama reconhece uma medida de vitória desses operativos de direita, que encontram uma retórica que consegue mobilizar pânico moral e manter os oponentes na defensiva. Uma estrutura que não apenas contaria com a imprensa conservadora (como a Fox News), mas com os emergentes veículos digitais sem compromisso com ética jornalística (e que futuramente descambariam para fake news), como o site gerido por Mike Drudge (Billy Eichner), que futuramente criaria o Breitbart, que daria evidencia a Steve Bannon, um dos principais conselheiros de Donald Trump. A série inclusive comenta a hipocrisia da direita em relação a Clinton em comparação a Trump quando Ann Coulter diz que se Clinton sair impune “qualquer vigarista apalpador de mulheres terá um caminho livre para a Casa Branca”, algo que realmente aconteceu quando Coulter e outras figuras reacionárias apoiaram Trump e passaram pano para as inúmeras denúncias de abusos sexuais dele.

 

Os Clinton e Lewinsky

É claro que Clinton não é inocente nessa história, já que ele claramente usou e manipulou inúmeras jovens e depois empreendeu uma campanha midiática para difamá-las e destruir suas reputações, principalmente Monica. O presidente é retratado como um sujeito covarde, incapaz de enfrentar a situação diretamente, sempre se escondendo atrás de assessores e pedindo que resolvam. Na série, Clinton sequer é capaz de contar para Hillary (Edie Falco) que teve um caso com Monica, pedindo para que um assessor sonde primeiro a reação da primeira dama. Hillary, por sua vez, é retratada como alguém movida mais por pragmatismo político do que por seu compromisso de esposa. 

Sua decisão de se manter apoiando o marido é menos por amor ou lealdade e mais pelo senso de que isso poderá ser usado para alavancar sua carreira política e dar a ela o protagonismo da relação, o que de fato acontece, já que ela facilmente se torna senadora após o escândalo. Depois que o escândalo se torna público, a série raramente coloca Hillary e Bill juntos no mesmo enquadramento, preferindo filmá-los sozinhos, criando um senso de distância no casal.

Monica Lewinsky é, talvez, a única inocente na história toda. Uma garota ingênua e impressionável com problemas sérios de autoestima que se vê fascinada ao receber atenção do presidente, projetando nele sentimentos e percepções que Clinton não tinha em relação a ela. Beanie Feldstein é eficiente em nos apresentar a fragilidade de Monica, sempre insegura se a relação com Clinton tem algo de real ou não, se apegando a qualquer mínima medida de atenção que recebe dele como uma manifestação real de afeto e não como Clinton mantendo-a sob seu controle. A atriz também é ótima em nos fazer temer por Monica ao construir seu pânico e desamparo quando ela é pega pelo FBI e forçada a cooperar. Sentimos como deve ter sido assustador para uma jovem de vinte e poucos anos se ver traída pela melhor amiga e trancada em um quarto cheio de agentes federais ameaçando-a com todo tipo de punição severa.

Se durante o escândalo a imprensa (inclusive pessoas de posicionamento progressista) trataram Monica como uma oportunista ou como uma stalker delirante, vilanizando ou a reduzindo a piadas (inclusive por sua aparência), a série faz justiça a ela mostrando-a como alvo de múltiplos abusos. De um lado o próprio abuso de manipulação de Clinton, de outro os ataques dos agentes políticos de direita e do próprio governo, além do assassinato de reputação perpetrado pela mídia. O caso de Lewinsky é um exemplo de como a vítima é culpabilizada em escândalos sexuais e as consequências que alguém pode sofrer quando é alvo dessa conjunção de forças poderosas.

Com um escopo amplo que entende a complexidade da questão e mostra os múltiplos interesses em jogo durante os eventos retratados, American Crime Story: Impeachment faz uma excelente análise dos fatos ao redor do escândalo Clinton-Lewinsky.

 

Nota: 9/10


Trailer

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