A trama se passa na década de 80, sendo protagonizada por Maren (Taylor Russell, a Judy de Perdidos no Espaço). Uma garota que está começando uma nova escola e tentando se aproximar das colegas a despeito do pai superprotetor. Uma noite Maren escapa de casa para ir se encontrar com as amigas. Durante a conversa com umas das amigas, Maren morde o dedo dela e começa a devorar a carne. Chegando em casa ensanguentada, o pai dela se comporta como se não fosse a primeira vez e Maren parte em uma jornada de autodescoberta pelo interior dos EUA. No caminho ela conhece Lee (Timothee Chalamet), que também tem o mesmo impulso de comer carne humana.
Apesar de todo o sangue, a narrativa é essencialmente uma jornada de autoaceitação. Maren não sabe de onde vem seus impulsos, não sabe o que fazer com ele e teme se aproximar das pessoas e acabar afastando elas quando perceberem o que ela é de verdade. Seria possível pensar no canibalismo no filme como a metáfora para qualquer comportamento que foge ao que a sociedade considera como “normal”, como as vivências da população queer, provocando o mesmo senso de isolamento e inadequação até que que Maren encontre pessoas como ela e aprenda com sua “comunidade”. O ato de devorar uma pessoa, por sinal, é tratado como uma ação de extrema intimidade, que transforma quem faz, como se fosse forjada uma conexão física e emocional entre essas pessoas, quase como um ato sexual.
Russell e Chalamet trazem uma boa medida de melancolia a Maren e Lee, duas pessoas que se sentem desconectadas do mundo e se encontram um no outro. Há uma conexão crescente entre os dois conforme eles percebem que podem se abrir e entender o outro de uma maneira que provavelmente não conseguiriam com mais ninguém, uma conexão impensável para alguém como eles, como fica visível por outras pessoas que conhecem pela estrada.
A trama conta com um ótimo elenco de coadjuvantes, que não só ajudam a construir a “mitologia” a respeito do canibalismo na narrativa, como também servem para ajudar Maren a se compreender. Michael Stuhlbarg e Chloe Sevigny tem participações breves, mas marcantes, no entanto quem rouba a cena é Mark Rylance. Interpretando Sully, um veterano canibal que está há muito tempo na estrada e que se resignou a viver nas sombras. Sully serve como um aviso do que Maren e Lee podem se tornar caso insistam em viver sozinhos ou em viver apenas para se alimentarem, com Rylance sendo excelente em deixar transparecer a instabilidade de alguém que passou mais tempo sozinho do que seria humanamente suportável.
As paisagens do interior dos Estados Unidos são filmadas por Guadagnino com uma atmosfera cálida e um certo grau de mistério. Essas escolhas são também refletidas na trilha musical de Trent Reznor e Atticus Ross, que constroem melodias estéreas, com notas sustentadas e silêncios que contribuem para o sentimento de que não sabemos o que aguarda esses personagens. Não é uma música de suspense, mas uma que transmite o sentimento dos personagens de buscar ou ansiar por algo que eles não sabem exatamente definir.
O clímax acaba tornando explícita
uma violência e um horror que até então estavam mais implícitos e acaba
destoando do resto do filme. Momentos assim, porém, não são constantes e no
geral Até os Ossos é consistente em
construir uma jornada envolvente sobre melancolia, aceitação, romance e
selvageria.
Nota: 8/10
Trailer
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