Na trama Eric (Jonathan Groff) e Andrew (Ben Aldridge) estão de férias com a filha Wen (Kristen Cui) em uma isolada cabine quando o lugar é invadido pelo grupo liderado por Leonard (Dave Bautista). Eric, Andrew e a filha são feitos de reféns pelos invasores que dizem que a família precisa sacrificar um dos três para salvarem o mundo de um apocalipse iminente, se demorarem demais o mundo irá acabar de qualquer maneira.
O início é muito eficiente em criar um senso de urgência e tensão conforme esses estranhos dominam facilmente a família e exibem uma crença inabalável na mensagem apocalíptica que trazem. A câmera se mantem próxima dos rostos dos personagens em muitos momentos, criando uma atmosfera opressiva no qual há pouco espaço e a presença daqueles invasores se impõe bem próxima de nós. Shyamalan também explora o tempo de longos planos sequência conforme acompanha os sequestradores se movendo pelo diminuto espaço, nos deixando apreensivos em relação aos próximos movimentos deles.
Muito da tensão também vem do trabalho de David Bautista e dos outros membros de seu quarteto, que vendem a agressividade, crença e também a empatia dos invasores. Eles (ao menos a maioria deles) não são invasores sádicos, são sujeitos aparentemente comuns que entendem muito bem o peso da escolha horrível e das ações violentas que estão impondo à família. Isso ajuda a dar complexidade aos invasores, já que por mais que eles possam ser equivocados eles são movidos por um sentimento que creem ser verdadeiro, nunca reduzindo eles a um bando de malucos violentos.
A trama, porém, começa a desandar quando Eric e Andrew tentam retomar o controle da situação e tudo se torna uma série de decisões convenientes e condutas pouco críveis. Eu entendo que, como boa parte do cinema de Shyamalan, seus eventos operam um nível simbólico, mas o filme não deixa de construir uma narrativa e construir narrativa é um exercício cosmológico, de construção de mundo. Esse mundo ficcional não precisa ser análogo ao nosso, preso aos elementos da nossa realidade, mas precisa de alguma ancoragem em algum nível de realismo emocional ou psicológico. Precisamos acreditar que diante de uma situação como aquela seria possível que a conduta humana se ajustasse da maneira que é mostrada, no entanto, isso não acontece e os personagens tomam as decisões mais estúpidas possíveis. A impressão é que esses personagens não são sujeitos dotados de sentimentos e motivações, mas meros veículos para a mensagem que Shyamalan tenta construir, fazendo-os agir da maneira que seria mais conveniente para alcançar essa mensagem e não com o que se esperaria de pessoas em uma situação como aquela.
Não ajuda que a mensagem final trate de temas tão complexos de maneira tão simplória e sem tato. A comparação entre a perseguição a Cristo e a violência sofrida pela comunidade LGBTQIA+ é tratada de modo muito superficial para ter qualquer impacto. A ideia de que essa comunidade deveria dar “a outra face” a um mundo que os odeia, novamente fazendo um paralelo com o sofrimento de Cristo, parte de uma comparação bem problemática e descontextualizada de uma série de variáveis políticas e culturais ao ponto de soar quase desonesta. Do mesmo modo, o filme aborda a ideia de martírio e sacrifício, especificamente um martírio que adere a valores cristãos ocidentais, de uma maneira pouco crítica.
Se em O Sacríficio do Cervo Sagrado (2017) Yorgos Lanthimos refletia sobre como o progresso da humanidade se construía inevitavelmente em cima da morte de outros, em uma realização sombria de como sacrificamos os outros para o nosso conforto, aqui o fato de alguém ter que morrer para “pagar” os pecados dos outros soa meramente como um gesto de amor e abnegação, sem qualquer nuance quanto aos aspectos mais sombrios do ato. As coisas pioram quando o texto tenta construir a ideia de que o amor de Andrew, Eric e Wen seria mais “puro” por conta das barreiras que tiveram que superar, como se houvesse um “lado positivo” em conviver com a homofobia ou como se os gays devessem se sentir bem por serem pegos para Cristo em nossa sociedade preconceituosa. De nada adianta ter um “amor puro” se ele precisa encerrar violentamente, repetindo o tropo conservador da ficção ocidental de que casais gays não podem simplesmente ser felizes e precisam terminar em tragédia.
É a mesma falta de tato que Shyamalan exibiu em Fragmentado (2016) ao mostrar que a protagonista se beneficia de ter sido estuprada no passado pelo fato desse trauma angariar simpatia do vilão, como se houvesse um também “lado positivo” em ser estuprada. Talvez um roteirista melhor conseguisse trabalhar essas ideias de modo eficiente e com mais sensibilidade, nas mãos de Shyamalan, porém, tudo degringola para metáforas mal construídas e assuntos delicados trabalhados de maneira questionável.
Batem à Porta parte de uma boa premissa e uma competente construção
de tensão em seus primeiros minutos, mas desmorona diante da inabilidade de dar
conta de suas pretensões temáticas.
Nota: 5/10
Trailer
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