segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Crítica – Pearl

 

Análise Crítica – Pearl

Review – Pearl
Se em X: A Marca da Maldade (2022) o diretor Ti West usou o exploitation e o terror slasher para falar da transformação cultural nos Estados Unidos da década de 1970, em Pearl, que serve de prelúdio para o filme anteriormente citado, ele usa a era de ouro do cinema mudo para pensar no modo como o audiovisual criou uma versão idealizada e romantizada da vida no interior dos EUA. Uma visão que não se encaixaria na realidade e impactaria na vida de sua protagonista, nos ajudando a entender como Pearl se tornou a idosa assassina que conhecemos em X: A Marca da Maldade.

A trama se passa em 1918 numa área rural do Texas. Pearl (Mia Goth) vive com a rígida mãe, Ruth (Tandi West), e o inválido pai (Mattew Sunderland) que vive paralisado em uma cadeira de rodas e precisa de cuidados o tempo todo. Pearl está casada com Howard (Alistair Sewell), mas ele foi servir como soldado na guerra, obrigando Pearl a continuar na fazenda com os pais. A jovem vê uma chance de sair dali com o anúncio de testes buscando uma dançarina para uma trupe que sairá em turnê pelo país. Pearl decide participar do teste, mas seus problemas com os pais e sua propensão para a violência podem por tudo a perder.

O modo como West filma as paisagens da fazenda em planos abertos e cores intensas parece evocar uma celebração daquele espaço como um lugar esplendoroso e cheio de esperança, não muito diferente de como Hollywood retratava o interior e construía uma visão romantizada de uma vida simples na qual todos viviam do esforço do seu trabalho e senso de comunidade. Aos poucos, no entanto, ele começa a virar essas impressões do avesso conforme vemos como a vida de Pearl está longe de ser idílica, com um cotidiano opressivo com as constantes demandas dos pais, imposições da mãe e julgamentos morais sobre qualquer atitude que ela tenha.

Não é à toa que dentro de casa os planos são bem mais fechados, normalmente closes do rosto, com a fotografia sendo mais escura e as matizes de cor menos saturadas, dando a impressão de uma existência mais sombria e opressiva. O filme inclusive brinca diretamente com cânones do cinema, como a cena em que Pearl se aproxima do espantalho de sua fazenda (que remete propositalmente ao visual do espantalho de O Mágico de Oz) e começa a se masturbar se roçando nele como uma Dorothy descontrolada. O sonho inocente de um Estados Unidos idílico é aqui desfeito por um cotidiano duro e opressivo do qual a protagonista tenta fugir de qualquer maneira, até mesmo se realizando sexualmente com um espantalho.

Ao conhecermos mais da relação de Pearl com a mãe, compreendemos mais de onde vem o comportamento sexualmente reprimido da personagem e como muito do comportamento perverso da personagem vem dessa repressão. Outros elementos do futuro de Pearl também são desenvolvidos ao longo do filme, como seu ódio a loiras. Se em X: A Marca da Maldade a trama perdia parte de sua força quando a matança começava, aqui West parece menos focado no terror ou nas mortes e mais em construir um drama, trabalhando cuidadosamente a queda de Pearl em uma espiral de loucura conforme seu mundo e desejos desabam ao seu redor.

Muito do drama funciona por conta da performance de Mia Goth, que nos permite ver toda a instabilidade da personagem a despeito de seus esforços em tentar parecer normal e convencer as pessoas de que é só uma garota simples de interior sem muitas ambições. Essa dualidade da personagem, aparece constantemente no modo como Goth usa o rosto e o corpo na tentativa de passar uma impressão de inocência e simplicidade sempre tornando visível por trás disso um desespero incontido e ímpeto agressivo. Não é à toa que boa parte das expressões da atriz aqui sejam tão marcantes ao ponto de terem virado meme.

Mais focado em construir um estudo de personagem do que um terror propriamente dito (ainda que a narrativa tenha sua parcela de sague e morte), Pearl é um ótimo prelúdio que não apenas aprofunda nosso entendimento da personagem como reflete sobre os impactos do moralismo estadunidense.

 

Nota: 8/10


Trailer

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