sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Crítica – Velma

 

Análise Crítica – Velma

Review – Velma
Massacrada online desde antes de estrear por nerds reacionários desocupados revoltados com a mudança de etnia dos protagonistas, a primeira temporada da animação Velma foi ainda mais rechaçada depois da estreia do pavoroso episódio piloto. Ainda que a série produzida por Mindy Kaling não seja essa hecatombe nuclear que estão alardeando, ela tem sim uma série de problemas que a impedem de fazer pelo universo do Scooby Doo o que Harley Quinn fez pela Arlequina e o universo DC.

A trama funciona como um prelúdio para as aventuras da turma do Scooby Doo, antes de todos ficarem amigos ou terem o cachorro falante, sendo centrada em Velma. Uma nerd deslocada na escola que tem em Norville (que ainda não recebeu o apelido de Salsicha) seu único amigo. Velma ficou traumatizada depois do sumiço da mãe anos atrás e se dedicou a resolver esse mistério, mas as coisas se complicam quando as garotas populares de sua escola começam a ser assassinadas e ter seus cérebros removidos. Achando que os assassinatos tem alguma relação com o sumiço da mãe, Velma começa a investigar, sendo obrigada a se aproximar dos populares Daphne e Fred.

Como disse antes, o primeiro episódio é um dos piores pilotos que já vi em muito tempo e muito da razão da série ter sido tão rechaçada. Praticamente desprovido de trama ou desenvolvimento de personagem, o episódio é uma série de comentários sobre coisas que comumente acontecem em séries de televisão. Digo comentário e não piadas ou gags porque, de fato, não há uma construção humorística ao redor dessas falas, personagens aleatoriamente apontam coisas que acham ruins na televisão e fica por isso mesmo, não há uma crítica, uma reflexão ou uma exposição do absurdo e soa mais como pura destilação de rancor. Alguns comentários são tão específicos que me fazem pensar que os roteiristas estão simplesmente colocando para fora seus ressentimentos com a indústria, confundindo rancor com militância. Boa parte desses diálogos sequer faz sentido estar saindo da boca daqueles personagens.

Esse tipo de tentativa de humor perdura por todo o episódio e também ao longo da temporada ao ponto em que se torna simplesmente irritante. Comentários metalinguísticos sobre o próprio universo Scooby Doo também não funcionam pelo mesmo motivo de soarem como críticas mesquinhas ao invés de uma tentativa de parodiar algo datado. É perfeitamente possível zoar algo que envelheceu mal sem parecer que você está menosprezando o legado do material com o qual você está trabalhando. Os dois Anjos da Lei fizeram isso muito bem, assim como a série Harley Quinn consegue zoar e criticar muitos elementos do universo DC sem parecer menosprezá-los, conseguindo conferir humanidade até mesmo aos seus personagens mais ridículos (nunca pensei que fosse me importar com o Homem-Pipa, por exemplo).

Mesmo quando a série não recorre a esse tipo de comentário metalinguístico, o texto sofre por forçar a barra na quantidade de expressões excêntricas e pitorescas dos personagens, fazendo tudo soar artificial. Toda a cena do primeiro episódio em que Norville fala das mensagens de voz que mandou para Velma é cheia de tentativas irritantes de criar gírias que tenho a impressão de que os roteiristas não tem a menor ideia de como jovens conversam hoje.

Lá pela segunda metade da temporada a série começa a focar um pouco mais no mistério principal com algumas reviravoltas que mantem nosso interesse no caso, além de Daphne e Fred exibirem um perceptível desenvolvimento de suas personalidades. Por outro lado, Velma e Norville são simplesmente detestáveis ao longo de toda temporada. Velma é mandona, egoísta, manipuladora e desagradável com todos à sua volta, tratando até mesmo seus melhores amigos com desdém e usando-os como meras ferramentas, ignorando completamente suas necessidades e problemas. Já Norville passa a temporada envolvido em uma trama de tentar mostrar que não é um “macho beta” que não faz o menor sentido para o personagem. Quando chegamos no fim da temporada nada desse arco tem qualquer pertinência na jornada dele se tornar um maconheiro desgrenhado mais próximo do que conhecemos (se você acha que o Salsicha original não usava drogas, então você não prestou atenção).

Muitas subtramas, por sinal, existem apenas para servir de ganchos para futuras temporadas, como a gangue que vive nos subterrâneos e a busca de Daphne pelos pais biológicos. Outras sequer servem como possibilidade para o futuro a exemplo de toda a relação complicada de Velma com a madrasta influencer que não faz qualquer diferença para a narrativa. A impressão é que alguém da sala de roteiro achou que fazer comentários sobre a cultura contemporânea de influencers digitais poderia render algo engraçado e inseriu essa personagem na trama de qualquer jeito. Não só ela não tem nada de engraçado a dizer a não ser repetir algumas piadas batidas sobre a futilidade dos influencers, como é completamente inútil no grande esquema da série.

A série ainda comete o mais comum dos erros de prelúdios que é achar que qualquer objeto banal usado pelos personagens precisa de uma longa explicação do porquê está ali. Alguém realmente estava curioso para saber porque Velma usa óculos tão grandes ou achava que isso era algo que precisava se construir a partir de uma longa mitologia? A interjeição “jinkies” usada pela personagem realmente precisava ter sua origem explicada? É realmente necessário uma longa explanação a respeito dos desenhos psicodélicos na van usada pelo grupo? Como aconteceu em filmes como Han Solo (2018) a série confunde desenvolvimento de personagem com exposições sobre os pertences deles.

Equivocada, sem graça e confundindo rancor com comédia, Velma é uma fraca tentativa de fazer uma animação adulta no universo do Scooby Doo, ainda que não seja a completa hecatombe que vem sendo alardeada.

 

Nota: 4/10


Trailer

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