A trama é centrada em Mariana (Mari Oliveira), uma jovem evangélica que participa de um grupo de garotas de sua igreja que tem o objetivo de se manter pura. Essas jovens também se organizam em uma espécie de milícia conservadora que ataca na rua mulheres que elas consideram promíscuas ou sujas com o intuito de puni-las ou convertê-las. Um desses ataques dá errado e Mariana leva um corte no rosto, deixando uma cicatriz que a faz ser demitida da clínica em que trabalha. Sem trabalho, Mariana e a melhor amiga, Michele (Lara Tremouroux), começam a investigar a lenda urbana da atriz Melissa (Bruna Linzmeyer), uma mulher supostamente devassa que teve o rosto queimado como punição por sua conduta. Mariana crê ter encontrado a atriz em uma clínica para pessoas em coma e decide conseguir um emprego no local, mas logo coisas estranhas começam a acontecer.
É uma narrativa que não apenas fala sobre a ascensão de um conservadorismo religioso e da religião como instrumento de poder, mas como esse poder é usado, entre outras coisas para controlar os corpos e desejos femininos. A ideia de punir mulheres consideradas impuras e imorais retirando sua beleza remete diretamente ao título, já que na mitologia grega a medusa foi transformada em um monstro para o qual ninguém poderia olhar justamente por desafiar desejos masculinos.
Nesse sentido a jornada de Mariana e de Michele é justamente a gradual descoberta de que elas não precisam sofrer para se adequarem aos dogmas de sua igreja conservadora e sectária conforme a busca por Melissa as leva a experimentar eventos estranhos. O filme trabalha muito bem o clima de mistério e incerteza em relação à atriz desaparecida e os eventos estranhos que permeiam a investigação de Mariana. Aos poucos vamos duvidando se há algo verdadeiramente sobrenatural ou se o trauma do ferimento no rosto é que está mexendo com a cabeça de Mariana.
As cenas na Igreja e no modo como essa comunidade opera ressaltam não apenas o sectarismo agressivo de instituições neopentecostais que tem tomado o Brasil, incluindo o esforço dessas organizações em radicalizar seus membros e formar uma espécie de exército próprio. As imagens dos homens da igreja treinando com roupas militares são assustadoramente reais e remetem diretamente a imagens divulgadas por certas seitas brasileiras que montaram estruturas similares.
Por outro lado, as cenas de culto e das pregações do pastor Guilherme (Thiago Fragoso) repetem ideias que a ficção brasileira recente já explorou ao ponto de virarem clichês e não acrescentam muito de novo. Um exemplo é a manjada cena da “sessão de descarrego” em há uma performance exagerada de expulsão de demônios ou o discurso pedindo que eles não consumam nenhuma mídia que não pertença à igreja. Até mesmo os tons de neon roxo do espaço remetem a produções anteriores como Divino Amor (2019).
São instantes que martelam com pouca sutileza as ideias da narrativa e que contrastam com momentos mais contemplativos que permitem que essas ideias sejam expostas de maneiras mais impactantes. Isso é visível na cena em que Michele fica sozinha depois de discutir com Mariana durante a gravação de um tutorial de maquiagem e aí vemos Michele remover a maquiagem, silenciosamente revelando vários hematomas no rosto, fruto de agressões que sofre do namorado.
O silêncio estoico de Michele é substituído por um intenso choro que deixa evidente como ela tenta ignorar as dores físicas e psicológicas por achar que deve se submeter ao namorado (afinal ela foi ensinada que isso é o certo) embora isso claramente a afete. É um momento poderoso que mostra a face tacanha de toda a retórica que exige que as mulheres sejam “belas, recatadas e do lar”, revelando o quanto esse discurso existe apenas para silenciar as mulheres e tudo isso é comunicado pela cena sem que uma palavra sequer seja dita. Momentos assim funcionam mais do que os longos discursos expositivos que o filme exibe nas cenas de culto.
Recorrendo a estruturas do terror
e do suspense, Medusa constrói uma
sinuosa narrativa sobre a misoginia presente no conservadorismo religioso,
embora por vezes peque por um excesso de didatismo e diálogos expositivos.
Nota: 7/10
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