A trama se passa na década de 1960 e acompanha a investigação de Loretta (Keira Knightley) na série de assassinatos cometidos contra mulheres e que ficaram conhecidos como os crimes do Estrangulador de Boston. De início Loretta enfrenta resistência de seu editor em cobrir os crimes, tanto pelo fato de ser inexperiente e também porque o jornal não achava que assassinatos de mulheres anônimas eram crimes dignos de serem noticiados.
A narrativa foca menos nos crimes do estrangulador e mais na trajetória de Loretta enquanto repórter, começando como uma jornalista de cultura e estilo de vida até se tornar uma repórter investigativa respeitada por seus pares, quebrando barreiras de gênero e expondo o machismo que reinava nas redações. Nesse sentido, o texto amarra o machismo cotidiano enfrentado por Loretta com o machismo imbricado no modo como a imprensa e as autoridades ignoravam os estrangulamentos, revelando como aquela sociedade dava tão pouco valor às mulheres que não considerava o número crescente de assassinatos cometidos contra mulheres como um fato relevante.
A questão é que o texto não vai muito mais fundo do que isso e no afã de celebrar o pioneirismo do trabalho jornalístico de Loretta acaba fazendo um retrato simploriamente laudatório que não explora as contradições no caso. O segmento final, no qual a protagonista mostra como o sujeito anunciado como o Estrangulador não poderia ter cometido todos os crimes, é tratado como um grande furo da repórter que revela a corrupção nas instituições políticas e como agentes públicos estão mais interessados em aprovação popular do que em efetivamente chegar à verdade ou manter as pessoas seguras.
Seria uma conclusão eficiente se ela não ignorasse o fato de que foi Loretta que, contra as evidências e falas de colegas e especialistas de que não havia padrões singulares que uniam todos os crimes, que não havia um padrão consistente nas vítimas e no modo de estrangular as mulheres que permitisse identificar o único culpado. Foi o trabalho de Loretta que instigou a população a crer que era um único bicho papão responsável pelos crimes e permitiu que muitos criminosos ocultassem seus feminicídios ao imitar a maneira de agir do Estrangulador. Lógico, não foi Loretta que ordenou que o município culpasse um vagabundo qualquer pelo crime para rapidamente acalmar os ânimos, mas é curioso que o texto não faça qualquer autocrítica no papel dela no pânico e histeria que a cobertura criou na população e na insistência na tese de um culpado único mesmo quando evidências não apoiavam essas conclusões.
Visualmente o filme recorre a tons cinzentos e dessaturados que se tornaram bem comuns em tramas sobre crimes reais, principalmente aqueles situados no passado. A ideia é usar essa estética para mostrar esse grande centro urbano como um lugar estéril e hostil, mas a tensão nunca se eleva como deveria, mesmo nos momentos em que a narrativa coloca a protagonista em uma situação de perigo pessoal, com o nome e imagem expostos publicamente. Keira Knightley da credibilidade e autoridade a Loretta, sendo auxiliada também pela performance de Carrie Coon como Jean, uma repórter mais experiente e mais desencantada com o mundo que ajuda Loretta com sua investigação. Apesar do talento das duas atrizes, ambas ficam presas a um texto que não sai da superfície de suas personagens.
O Estrangulador de Boston é uma produção que não tem nada de fundamentalmente
errado, embora não tenha nada de muito impactante. Tem uma reflexão importante
sobre como o machismo da sociedade opera, mas nunca leva essa discussão para
além do que já é conhecido. Suas ideias sobre crime urbano e o temor da
incerteza causada por mistérios não resolvidos também não dizem nada que já não
foi feito por outras narrativas sobre crimes reais. Não consigo deixar de
pensar que nas mãos de cineastas como David Fincher ou falecido Jonathan Demme
o resultado poderia ser bem mais impactante.
Nota: 5/10
Trailer
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