O documentário usa a típica combinação de entrevistas e imagens de arquivo que a essa altura já se tornaram clichê em documentários de streaming, fazendo pouco para ir além do uso já batido desses recursos. O documentário entrevista ex-funcionários do Pornhub, atrizes e atores pornô, além de ativistas de grupos que denunciam como plataforma lucra com vídeos de estupro e pedofilia.
A narrativa é eficiente em mostrar a história de crescimento da plataforma, que controla uma fatia muito maior da indústria pornô do que eu imaginava, já que a empresa que controla o Pornhub também é dona de algumas das maiores produtoras do gênero. O texto também mostra como o número reduzido de moderadores e os baixos critérios de segurança para que alguém se cadastre e poste vídeos da plataforma torna fácil que qualquer poste conteúdo, dando um espaço fácil para a divulgação de vídeos com menores, de estupro e revenge porn. Mais que isso, o documentário revela como os executivos da empresa tinham ciência disso, mas não faziam nada para coibir essas práticas já que ganhavam rios de dinheiro.
A denúncia, porém, se complica, quando a investigação do documentário revela que alguns dos grupos que dizem lutar contra tráfico de pessoas e exploração sexual são, na verdade, financiados por instituições religiosas ultraconservadoras que não apenas querem combater tráfico de pessoas e pedofilia, mas remover de espaços midiáticos todo e qualquer conteúdo que consideram imorais. A definição de imoralidade desses grupos é bem abrangente, indo desde pornografia explícita a fotos sensuais sem nenhuma nudez, o que soa claramente como um conservadorismo moral exacerbado.
É a partir daí que o documentário perde qualquer senso de nuance, de fazer distinções caso a caso e recorrer a dicotomias pouco complexas que reduzem a capacidade de entender de maneira consistente os múltiplos interesses envolvidos. Uma dessas dicotomias simplórias é a de que o conteúdo do Pornhub poderia ser facilmente dividido entre o das produtoras profissionais, que seriam sempre corretas e livres de abuso, e os anônimos que postam vídeos de violência sexual.
Ora, qualquer pessoa que já tenha pesquisado sobre o assunto sabe que mesmo em grandes produtoras, profissionalmente estruturadas, existem sim casos de abusos cometidos por diretores e atores pornô que durante as filmagens vão além do fora consensualmente combinado com as atrizes. Entendo a importância de explicar que ser um profissional (ou uma profissional) do sexo é um trabalho legítimo e que pode ser executado de maneira segura, que precisa ser visto livre de tabus anacrônicos sobre corpo e sexualidade, no entanto essa discussão não pode ser feita à revelia dos dados que mostram que mesmo em ambientes profissionais podem existir espaços e agentes que não são seguros para esses profissionais.
De maneira semelhante, o documentário nunca pressiona suas entrevistadas em relação à contradição que é a defesa da indústria pornô e do trabalho sexual e o modo como elas continuam defendendo uma plataforma que elas mesmas tem ciência de que abre espaço para uma série de abuso. Sim, o filme explica que plataformas digitais que dão às atrizes controle sobre o próprio conteúdo e monetização dão mais segurança, mas uma vez que um determinado espaço digital é exposto como claramente conivente com abusos, por que continuar defendendo essa plataforma ao invés de simplesmente migrar para outra? Porque a defesa do trabalho sexual diante de uma onda conservadora que tem crescido no mundo precisa passar pela relativização de site bilionário que lucra com abusos? Além de contraditório, só dá munição aos opositores.
Do mesmo modo, os agentes de entidades que se opõem ao Pornhub são pouco confrontados com a questão do conservadorismo moral que pode estar por trás do seu discurso, motivando não uma preocupação de segurança para trabalhadores do sexo, mas uma visão de que tudo relacionado a sexo e prazer com o corpo seria imoral. Assim, o documentário nunca tenta cavar à fundo as intenções ou múltiplos interesses em jogo nos discursos dessas organizações.
A produção parece confundir
isenção com um doisladismo tosco, dando aos polos da questão espaço para falar,
mas nunca questionando seus entrevistados quanto às contradições ou
fragilidades retóricas do seu discurso, falhando em construir uma visão ou
argumento próprio acerca da questão. Assim, Pornhub:
Sexo Bilionário é um documentário demasiadamente quadrado e incapaz de
tratar com o devido cuidado os temas complexos que explora, preferindo criar
dicotomias simplórias.
Nota: 4/10
Trailer
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