A trama se passa alguns anos depois do primeiro filme. Billy (Asher Angel) está para fazer dezoito anos e teme ter que sair do lar adotivo em que vive e perder a família que construiu. Por isso ele tenta manter os irmãos adotivos o mais próximo de si e acaba sendo muito controlador. Eles atuam juntos como super-heróis, mas acabam causando mais danos à cidade e não são exatamente amados. Em meio à tudo isso, as deusas Héspera (Helen Mirren) e Kalypso (Lucy Liu) chegam ao nosso mundo para recuperarem a magia que o Mago (Djimon Hounsou) pegou dos deuses para criar o herói Shazam (Zachary Levi).
A trama lida com o complexo de abandono de Billy e o temor dele em ficar sozinho novamente agora que encontrou uma família. A questão é que esse conflito se perde em meio a várias subtramas e nenhuma delas é construída de modo convincente ou tem tempo suficiente para desenvolver suas ideias. Com isso a resolução da maioria dos conflitos carece de impacto. No início, por exemplo, a trama nos mostra como Billy reluta em chamar Rosa (Marta Milans), sua mãe adotiva, de mãe. Imaginamos que esse processo será uma jornada emocional significativa para os dois personagens, mas não, eles passam o resto do filme sem dividir uma cena juntos e quando finalmente se reencontram Billy automaticamente a chama de mãe sem que o texto tenha feito por merecer essa mudança. Se há alguma emoção na cena em questão é porque os atores trabalham de maneira convincente os sentimentos dos personagens, mas não porque há uma construção narrativa em torno disso.
Essa observação se aplica a praticamente qualquer ponto de conflito do filme, que são apresentados e resolvidos por pura conveniência do roteiro. O Mago inicialmente aparenta desdém por Freddy (Jack Dylan Grazer) até o momento em que o roteiro decide que o bruxo deve respeitar o garoto, mudando de atitude automaticamente. Anthea (Rachel Zegler) parece se apaixonar por Freddy simplesmente porque a trama exige. Uma cena inicial entre Billy e Mary (Grace Caroline Currey), dá a entender que Mary tem algum ressentimento por abrir mão da faculdade para ficar ajudar a família e imaginamos que isso gerará um conflito mais adiante, no entanto isso não tem qualquer repercussão na trama.
Do mesmo modo a trama é pouco convincente em tentar responder o problema (presente desde o primeiro filme, diga-se de passagem) de Shazam agir de maneira tão estúpida e ter tão pouca noção das repercussões de suas ações apesar de supostamente possuir a “sabedoria de Salomão”. A maneira como isso é resolvido é pela admissão de que Billy (e sua versão transformada) não teria sabedoria na mente, mas no coração. Uma platitude vazia que não muda o fato de que o personagem agiu feito um completo idiota e causou muito estrago ao longo de dois filmes e vários anos em atividade e, no fim, não explica coisa alguma.
É inevitável também falar do desfecho, que parece construir algum senso de consequência e peso definitivo para as ações de Billy e os demais, rendendo alguns momentos de emoção bem genuínas, apenas para a cena seguinte desfazer todos os desdobramentos e retornar tudo ao modo como era no início do filme graças a uma intervenção de outro personagem da DC que aparece do nada. Todo esse vai e vem em relação às consequências da trama soa como uma tentativa desonesta de manipular as emoções do espectador, dando a impressão de algum sacrifício definitivo, apenas para desfazer tudo para evitar terminar de um jeito triste e não mandar as pessoas para casa com certa melancolia.
“Ah, mas eu não vejo um filme como esse esperando um primor narrativo”, vocês me dizem, “vou ver pela ação e pelo humor”. Pois saibam que nesse aspecto o filme consegue entregar...algo bem mais ou menos. As melhores piadas já estão presentes nos trailers, como a cena de Shazam com o pediatra, e muito do humor consiste em simplesmente apontar para algo ou alguém e fazer alguma referência à cultura pop sem necessariamente ter algo à dizer sobre o que está sendo referenciado. Um exemplo é a cena em que Lucy Liu aparece montada em um dragão e Shazam a chama de Khaleesi, como se reconhecer a referência preguiçosa a um produto conhecido fosse o suficiente para fazer rir.
Incomoda também a quantidade de inserções publicitárias de doces ou energéticos em momentos cômicos, quebrando nossa imersão na trama e destruindo qualquer graça da cena. A cena em Darla (Faithe Herman) tenta domar um unicórnio deveria ser um momento de comédia e encantamento, mas é completamente estragada pela inserção de uma marca de doces com direito a Darla falar o slogan publicitário da marca. O que era para ser engraçado se torna um instante de sinergia corporativa cínica que tira o espectador do filme e isso acontece com certa recorrência.
A ação não tem nada de muito digno de nota, com boa parte do filme não explorando de modo criativo os vastos poderes de heróis e vilões, algo que só acontece mais durante o clímax quando temos alguns momentos mais empolgantes. Muitos embates são prejudicados por uma computação gráfica irregular em que fica evidente que os personagens estão sozinhos diante de uma tela verde, principalmente nas cenas em que estão voando. Como o filme tem muitos personagens, muitos são pouco aproveitados, seja em termos de ação ou desenvolvimento de personagem. Apesar de dar autoridade e imponência a Héspera, Helen Mirren tem muito pouco a fazer e sua vilã acaba sendo despachada sem muito impacto.
Com uma trama desconjuntada, que
não consegue fazer funcionar o desenvolvimento de seus personagens, além de
humor e ação irregulares, Shazam! Fúria
dos Deuses é daqueles filmes que já começam a sumir da memória assim que
deixamos a sala de cinema.
Nota: 4/10
Trailer
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