sexta-feira, 14 de abril de 2023

Rapsódias Revisitadas – O Grande Lebowski

 

Crítica – O Grande Lebowski

Review – O Grande Lebowski
Você já imaginou como seria se personagens como Philip Marlowe e Sam Spade fossem hippies maconheiros ao invés de detetives argutos? De certa forma O Grande Lebowski, dirigido pelos irmãos Coen, é uma resposta para essa pergunta, colocando um sujeito relaxado e sempre sob efeito de narcóticos em uma trama criminal rocambolesca típica de film noir, misturando suspense e comédia. Lançado em 1998, o filme originalmente teve uma recepção morna da crítica, mas eventualmente ascendeu ao status de cult graças aos personagens excêntricos, em especial o protagonista interpretado Jeff Bridges.

A trama é centrada na figura de Jeff “O Cara” Lebowski (Jeff Bridges), um hippie desempregado que passa seu tempo fumando maconha e jogando boliche. Um dia criminosos invadem o apartamento dele, lhe dão uma surra e urinam em seu tapete enquanto cobram uma dívida até descobrirem que pegaram o Jeff Lebowski errado. O Cara então descobre que a pessoa que os bandidos estavam atrás era um milionário e decide cobrar dele pelo tapete que foi estragado, já que o item “dava coesão a sua sala”. O contato do Cara com “o grande Lebowski” dá início a uma complicada trama de chantagem e sequestro que mais soa como uma bad trip do Dude.

Como é comum nas tramas criadas pelos Coen, o universo da narrativa é povoado por uma série de tipos pitorescos. O protagonista é interpretado por Jeff Bridges como um sujeito que parece estar sempre sob efeito de alguma coisa, com uma postura relaxada que parece não se impactar com toda a bizarrice ao seu redor e não demonstra ser movido pela ganância que mobiliza os outros personagens, se contentando com seu cotidiano de drogas e boliche, além de querer apenas um novo tapete para a sua sala. Além dele temos Walter (John Goodman), melhor amigo do Cara e veterano da Guerra do Vietnã que está sempre raivoso e usa qualquer oportunidade para falar sobre as agruras que viveu na guerra.

Maude (Julianne Moore) é a filha do “grande Lebowski” e uma excêntrica artista cercada de amigos estranhos e que parece ter alguma atração pelo Cara. Bunny (Tara Reid) é a jovem e esperta esposa do “grande Lebowski”, que não demonstra muito afeto pelo marido e aparenta o estar traindo. Ambas soam como versões bem bizarras das típicas e ambíguas femme fatales que encontramos no noir. Seria possível preencher páginas só analisando os vários sujeitos estranhos que povoam essa trama, como Jesus Quintana (John Turturro), exímio jogador de boliche que serve de rival para os protagonistas e tem uma conduta pouco ortodoxa, ou os niilistas alemães que gravitam em torno de Bunny e que são interpretados por pessoas como o Flea da banda Red Hot Chilli Peppers.

Toda a trama envolvendo o sequestro de Bunny e a chantagem pelo seu resgate é de fato rocambolesca e nos faz ficar perdidos em muitos momentos (e que desviar a atenção pode acabar perdendo informações importantes), no entanto, eu diria que isso é proposital. Primeiro por dialogar com tradições narrativas do noir no qual o crime nunca era um evento isolado, mas um emaranhado de vários crimes que era difícil de desamarrar. Segundo porque essa atmosfera de confusão parece também ser feita para nos colocar no ponto de vista do Cara, que nunca parece entender o que ocorre à sua volta e não se importa muito com os vários esquemas ao seu redor, só querendo ficar em paz e resolver o problema de seu tapete.

Se no noir esse emaranhado de crimes visava ponderar sobre a corrupção e desigualdade das grandes cidades, aqui as complicações servem mais para demonstrar a burrice e falta de noção dos envolvidos. Ao invés de um sistema corrompido, o universo da trama é habitado por pessoas que não entendem o mundo a sua volta, agem de maneira desproporcional e isso gera consequências inesperadas para as quais eles não estão preparados, criando uma enorme bola de neve de estupidez que desemboca em eventos progressivamente mais absurdos. Um exemplo disso é a cena em que Walter tenta intimidar o garoto que ele acredita ter roubado a mala com dinheiro e começa a quebrar um carro que pensa pertencer a ele, imediatamente o real dono do automóvel sai de uma casa vizinha e começa a quebrar o carro do Cara achando que é de Walter. Nada faz sentido, todo mundo é idiota e ninguém aprendeu nada com essa sequência de eventos.

Não tenho como falar sobre esse filme sem mencionar as lisérgicas sequências que acompanhamos a consciência do protagonista sob efeito de narcóticos. A melhor delas acontece quando o Cara toma um drink batizado (sem saber que ele continha drogas) e embarca em uma viagem maluca envolvendo mulheres nuas e pistas de boliche que se desenvolve como um caleidoscópico número musical que remete aos números coreografados por Busby Berkeley em musicais das décadas de 1930 e 1940.

Criando o tipo de universo pitoresco que se espera de uma produção dos irmãos Coen, O Grande Lebowski sobrevive na memória por conta de sua atmosfera de constante confusão mental, personagens excêntricos e uma performance marcante de Jeff Bridges.


Trailer


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