A trama se passa na periferia da capital N’Djamena e é centrada em Amina (Achouackh Abakar Souleymane) que vive sozinha com a filha Maria (Rihane Khalil Alio). Quando Maria descobre que está grávida e não deseja manter a gravidez, já que uma mãe solteira é uma desonra enorme naquela sociedade muçulmana, elas buscam a alternativa do aborto. O problema é que o aborto também é proibido sob os olhos da religião e também por lei, envolvendo as duas personagens em uma batalha que soa impossível de vencer.
A narrativa nos coloca já em meio a essa crise, aos poucos explicando a relação dessas duas personagens e também o brutal contexto social das mulheres no país conforme elas buscam uma solução para o problema. Prefiro evitar entregar as revelações sobre as personagens, mas elas mostram uma estrutura social feita para manter as mulheres à margem e sem direitos, não tendo nenhuma escolha senão se submeter ao controle patriarcal da religião e do Estado.
Nesse sentido as histórias de Amina e Maria representam duas gerações de mulheres que parecem condenadas a serem ostracizadas por essa sociedade patriarcal independente do que façam, já que qualquer ação de uma mulher para ter o controle do próprio corpo e da própria vida parece ser tratada como uma ameaça a essa ordem social e rechaçada por todos os lados. O laço entre Amina e Maria, bem como a devoção em tentar encontrar uma solução para o problema da filha que não acabe em desonra se justifica por Amina ter sentido na pele o que aquelas estruturas fazem contra uma mulher que viola seus preceitos morais.
Ressaltando o isolamento das duas personagens, o filme investe bastante em ruídos ambiente, evidenciando o vazio ao redor delas e só usando música em momentos bastante pontuais. Essa solidão só é quebrada quando elas juntam a outras mulheres que clandestinamente encontram maneiras de contornar as proibições ou imposições (como a mutilação genital) que visam oprimir as mulheres. O filme, no entanto, nem sempre dá o contexto adequado a esses mecanismos de opressão e dá a impressão de que essas práticas seriam conectadas diretamente à religião muçulmana quando na verdade isso é um problema geral dessa parte da África, onde mesmo países de maioria católica ou de outras religiões praticam mutilação genital nas mulheres como uma forma de controle sobre seus corpos.
Apesar das dificuldades, a
narrativa nunca reduz as protagonistas a seus infortúnios ou uma mera
exploração das suas mazelas, encontrando espaço para nos fazer perceber o afeto
e a alegria que existe nelas, bem como os anseios e desejos por uma vida melhor
que vão construindo conforme encontram aliadas em suas jornadas. Com um olhar
contemplativo e uma reflexão importante sobre a situação das mulheres Lingui: The Sacred Bonds nos deixa
imersos no cotidiano de suas personagens e nos faz sentir o peso da opressão
que paira sobre elas.
Nota: 8/10
Trailer
Nenhum comentário:
Postar um comentário