segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Crítica – Asteroid City

 

Análise Crítica – Asteroid City

Review – Asteroid City
Mais novo filme de Wes Anderson, Asteroid City traz muito das questões existenciais e neuroses presentes em obras anteriores do cineasta. Aqui, no entanto, ele as amplia a um nível cósmico que nos faz olhar o caos da existência e nossa pequenez diante de um universo que carrega mais mistérios do que certezas.

A trama adota uma estrutura que inicialmente soa bagunçada, começando com um programa de televisão que apresenta uma peça sobre a construção de uma peça chamada Asteroid City, até nos mostrar a história propriamente dita dos personagens de Asteroid City. Nessa história, dentro de histórias dentro de histórias, conhecemos Augie (Jason Schwartzman) um enlutado fotógrafo de guerra que busca o momento ideal para contar aos filhos sobre o falecimento da mãe. Ele está com os filhos na pequena cidade de Asteroid City para uma convenção de jovens prodígios da ciência, um deles seu filho mais velho, Woodrow (Jake Ryan). Quando um evento inesperado obriga todos a ficarem de quarentena na cidade, os personagens começam a reavaliar suas vidas.

Como em outros filmes do diretor, a encenação exibe uma precisão milimétrica de enquadramentos simétricos e sets amplos cuidadosamente construídos. Com o costumeiro uso de tons pasteis, a cidade cenográfica construída para o filme soa simultaneamente realista, por conta da materialidade dos sets, e surreal, já que parecem uma versão idílica ou hiper nostálgica do que alguém imaginaria que foram os anos 50. É um espaço belo e singular, cuja cor e atmosfera que remete a tempos mais ingênuos contrasta com os sentimentos de caos existencial que os personagens precisam lidar.

Outra marca típica de Anderson são seus personagens excêntricos e aqui ele exibe um amplo plantel deles. Da cientista vivida por Tilda Swinton e suas ponderações sobre ter ou não filhos, passando pela guia de excursão interpretada por Maya Hawke ou o silencioso mecânico de Matt Dillon, cada um deles deixa uma impressão marcante mesmo com pouco tempo de tela.

O destaque, porém, fica com Midge (Scarlett Johansson), uma diva hollywoodiana que soa como uma mistura entre Liz Taylor e Marilyn Monroe, com Johansson usando toda sua presença em cena para evocar o charme e mistério que cercavam as estrelas de outrora. Sempre ensaiando algum texto e sempre na marcação certa, Midge fica a uma janela de distância de Augie no hotel em que estão hospedados. Assim como Augie, Midge parece alguém tentando lidar com os próprios sentimentos e recorre à atuação como um meio para compreender as emoções que sente.

De início o expediente narrativo de uma história dentro da outra, com um programa de tv apresentando uma peça sobre a realização de uma peça dentro de uma peça, soa confuso (a fala rápida do apresentador interpretado por Bryan Cranston não ajuda) e o tipo de recurso que soa autoindulgente por parte de um cineasta querendo soar complexo ou experimental. Conforme a trama avança, no entanto, vamos percebendo como esses vários níveis narrativos confluem para falar sobre nossa busca por sentido em uma vida que parece desprovida disso. As tentativas de colocar estruturas, de ordenar cenas, de contar histórias com começo, meio e fim, seriam um meio de tentarmos ordenar nossa existência caótica, de produzirmos um senso de controle sobre o rumo de nossas vidas quando a verdade é que não temos controle, apenas a ilusão de controle.

A arte é aqui pensada como uma forma de extravasarmos esses sentimentos, de buscarmos nela a catarse que a vida real não nos dá porque não é estruturada como a ficção, de exercitarmos nossas neuroses e ilusões de controle (como o próprio Anderson faz em seus planos milimetricamente calculados). Isso fica evidente na cena em que o personagem que interpreta o ator que interpreta Augie na peça dentro da peça sai do set para fumar e encontra a atriz que interpretaria a esposa de Augie, mas foi cortada da peça e agora está em outra produção no galpão vizinho. Os dois reproduzem o diálogo que Augie deveria em cena com a esposa durante um delírio e essa troca nos lembra como a realidade nos nega esse tipo de oportunidade de fecharmos o ciclo e as narrativas com aqueles à nossa volta, como a vida real muitas vezes não nos permite saber os últimos momentos que teremos ao lado de alguém para aproveitarmos isso plenamente e como é a arte, a ficção, que nos dá espaço para encontrarmos a catarse para tudo isso.

Sim, por vezes o expediente de histórias dentro de histórias soa confuso e as vezes não entendemos plenamente porque certos interlúdios estão ali, mas tudo isso me soa proposital. Tal como a vida, essa estrutura não está ali para fazer pleno sentido (ou não comunicar um sentido único) e sim para nos colocar em um fluxo singular que desestabiliza nossa relação com o filme, que nos dá a sensação de ausência de controle, de que, tal como os personagens do filme, não sabemos exatamente onde estamos pisando e qual o sentido de tudo.

Assim, Asteroid City brinca com diferentes níveis de realidade para nos lembrar do caos de nossa existência e a necessidade que temos de por ordem em tudo isso, principalmente através da arte.

 

Nota: 9/10


Trailer

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