sexta-feira, 11 de agosto de 2023

Rapsódias Revisitadas – Paprika

 

Crítica – Paprika

Review – Paprika
Lançado em 2006 e dirigido por Satoshi Kon, Paprika recebeu muitas comparações com A Origem (2010), dirigido por Christopher Nolan, já que ambos giravam em torno da premissa de uma máquina que permite entrar nos sonhos das pessoas para cometer crimes. Não é a primeira vez que um trabalho de Kon veria um produto similar lançado por Hollywood anos depois. O longa Cisne Negro (2010) mostrava muitas similaridades com a animação de Kon Perfect Blue (1998) e o diretor Darren Aronofsky já tinha reproduzido uma cena da mesma animação em Requiem Para um Sonho (2001).

Paprika conta a história de um grupo de cientistas que cria um aparelho que permite visualizar e entrar nos sonhos das pessoas. A dra. Chiba usa o dispositivo para ajudar pacientes com problemas psicológicos entrando em seus sonhos como um avatar chamado Paprika. Quando o dispositivo é roubado do centro de pesquisa e os envolvidos com a máquina começam a agir estranhamente, Chiba e seus colegas creem que o ladrão está atacando as pessoas em seus sonhos e decidem encontrar o culpado.

Kon usa esse espaço onírico para criar imagens surreais, como o desfile de objetos, que despertam encantamento e também tensão, lembrando quanto os sonhos podem transmitir beleza esplendorosa como bizarrices aterrorizantes. É o tipo de filme cujas imagens ficam na mente mesmo muito tempo depois de que o assistimos e algumas cenas de fato remetem a A Origem como a perseguição em um corredor que se dobra ou o momento em que Paprika toca em uma imagem, despedaçando-a como vidro, revelando uma realidade por trás.

A montagem abrupta serve para desorientar o espectador, nos deixando incertos se estamos na realidade ou em um sonho já que o filme salta entre esses níveis sem deixar evidente essas passagens e, como os personagens, perdemos uma certa ancoragem do que seria realidade ou não. Não que seja um filme difícil de acompanhar em termos da narrativa, é bem simples entender o que acontece, quem são os heróis ou vilões, mas o modo como a montagem é usado parece ser proposital para estabelecer o clima de suspense do filme.

O visual também é usado para comunicar sobre os personagens e seus estados de ânimo. Não é à toa que Paprika tem cabelos vermelhos e uma personalidade mais expansiva enquanto a Dra. Chiba tem cabelos escuros e nunca parece demostrar explicitamente suas emoções. É como se Paprika fosse uma faceta que ela decide manter oculta, liberando-a apenas no mundo dos sonhos, mas a jornada da personagem é justamente entender que elas são a mesma pessoa e que Paprika é parte de si, aprendendo a conciliar essas suas duas facetas ao final.

Nesse sentido, a trama explora como os sonhos podem nos conectar com aquilo que nossa mente consciente não está querendo lidar. Isso acontece tanto com a Dra. Chiba quanto com o policial Konakawa, cujos sonhos perturbadores com um crime não resolvido são uma manifestação de sua culpa, da dor e do arrependimento de não ter conseguido se tornar um cineasta ao lado do falecido melhor amigo. É por fugir disso que seus sonhos lhe mostram vivências de filmes como Tarzan ou James Bond, trazendo à tona a repressão ao cinema feita por sua mente consciente.

Só quando o detetive se reconcilia com isso é que encontra uma medida de paz, algo evidente na conversa em sonho com o falecido amigo, que lhe diz que Konakawa virou policial para viver o filme deles na vida real, que essa é a verdade extraída da ficção. Essa frase funciona como uma síntese dos temas do filme, que nos lembra como a ficção, a arte e os sonhos, por mais que não sejam reais, que sejam fantasias, fabulações ou encenações, servem para que confrontemos verdades sobre nós mesmos e nossa condição no mundo, transformando nossas vidas a partir do contato com eles.

O vilão, por outro lado, caminha na contramão a Chiba e Konakawa já que ele usa os sonhos para fugir e negar a realidade. Por mais que seja compreensível o fato dele ver os sonhos como um refúgio, já que lá pode voltar a andar, o fato dele querer a todo custo fazer isso se tornar real o torna delirante e perigoso, afinal tentar impor ao mundo uma versão própria da realidade ameaça os sonhos e a realidade do mundo.

Desta maneira Paprika é uma animação visualmente deslumbrante que nos lembra do poder dos sonhos e da importância deles em nossa mente.


Trailer


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