Felizmente o produtor Dave Filoni conseguiu reverter essa impressão ao longo da série animada Clone Wars e expandiu ainda mais a personagem na animação Rebels. Nas duas séries Filoni conseguiu redimir a trilogia prelúdio usando a relação entre Ahsoka e Anakin para dar mais contexto à eventual queda de Anakin ao lado sombrio. Agora na série Ahsoka Filoni se coloca à caminho de redimir também a trilogia sequência, ampliando nosso entendimento do que aconteceu após a queda do Império e os desafios da Nova República, elementos que a última trilogia aludiu apenas vagamente, falhando em dar o devido peso ou importância às ameaças que se apresentavam.
A série pega mais ou menos do ponto em que encontramos Ahsoka (Rosario Dawson) na segunda temporada de O Mandaloriano, com ela percorrendo a galáxia em busca de pistas que lhe levem até onde Ezra Bridger (Eman Esfandi) pode estar. A busca se torna ainda mais urgente quando ela descobre que remanescentes do Império também buscam o paradeiro de Ezra visando trazer de volta o Grão-Almirante Thrawn (Lars Mikkelsen), um dos maiores estrategistas do Império. O esforço de encontrar Thrawn é liderado pelo mercenário Baylan Skoll (Ray Stevenson), um ex-Jedi que agora trabalha para si mesmo sem se deixar tomar pelo lado sombrio.
Os dois primeiros episódios demoram um pouco a engrenar já que eles precisam contextualizar o espectador casual nos eventos da série Rebels, já que muito da trama depende de conhecer os personagens da animação, como Sabine (Natasha Liu Bordizzo) e Hera (Mary Elizabeth Winstead), bem como entender o que levou ao sumiço de Hera e Thrawn. Passados esses momentos iniciais de contextualização, a série realmente consegue construir uma trama competente sobre como os remanescentes do Império operavam debaixo do nariz da Nova República, que era orgulhosa e míope demais para perceber o ovo da serpente que estavam chocando.
O foco, porém, é na jornada de Ahsoka e o fato dela encontrar paz em sua relação com o passado e com a ordem Jedi. Muito da razão da protagonista temer o papel de mestre para Sabine é seu receio de repetir os erros dos Jedi e especificamente de seu mestre Anakin (Hayden Christensen). O arco da personagem gira em torno dela entender que o legado sombrio de Anakin/Vader não é sua culpa e que seu mestre decidiu o caminho por conta próprio.
O episódio em que ela conversa com o espírito de Anakin no “mundo entre mundos” explora a sensação de Ahsoka em ser usada como uma criança soldado nas Guerras Clônicas e o modo como Anakin, à sua maneira, se importava com sua padawan e tentava ensiná-la a como sobreviver em uma guerra. Impressiona que Dawson e Christensen estejam se encontrando pela primeira vez como Anakin e Ahsoka, mas eles conseguem evocar a mesma intimidade e dinâmica que os personagens exibiam na animação Clone Wars. As gravações que Anakin deixa para Ahsoka são outra maneira de aprofundar a relação entre eles e nos dar um entendimento sobre Anakin que a trilogia prelúdio não conseguiu trazer, continuando o caminho de redimir o personagem de Christensen que foi tão mal desenvolvido nos filmes e que encontrou nova vida nas animações e em séries como Obi-Wan Kenobi e aqui em Ahsoka.
A mudança de figurino de Ahsoka, abandonando suas vestes cinzentas para assumir um manto branco depois de sua conversa com Anakin, ressalta a mudança de atitude da personagem. Se antes ela se colocava em uma espécie de entrelugar, agindo como alguém sem vinculação a qualquer organização ou caminho da Força, depois do encontro com o antigo mestre e sua escolha por proteger a vida Ahsoka parece ter aceitado de bom grado seu papel como uma Jedi de fato e representante do lado da luz.
Ray Stevenson traz gravidade e um senso particular de honra ao Jedi caído Baylan Skoll. Desde o primeiro momento em que o vemos fica evidente que, apesar de ser implacável, ele está longe da crueldade e sede de poder dos Sith. Ele é alguém que tem um senso moral definido e parece se alinhar com os sobreviventes do Império apenas por ter alguns objetivos em comum, não por ser um crente verdadeiro na causa deles. Inclusive conforme a trama caminha vemos que ele busca o local onde Thrawn está porque deseja algo que pode finalmente encerrar a disputa entre luz e trevas que tem tomado a Galáxia a tantos milênios.
Em um universo em que ideais maniqueístas de bem e mal são tão presentes, é um alívio ver que Star Wars pode quebrar essa dinâmica e oferecer um vilão com alguma nuance que não seja só um megalômano sedento por poder. Por outro lado é uma pena que a jornada de Baylan pelo que parece ser as três entidades da Força que vimos em Mortis na série Clone Wars termine como um gancho para uma produção futura. Com o inesperado falecimento do ator Ray Stevenson é pouco provável que a trama do personagem siga como fora inicialmente planejado e Star Wars perde muito sem o peso e gravidade que Stevenson trazia ao personagem.
Thrawn é um vilão mais tradicional, mas não menos interessante por conta de sua mente ardilosa e táticas astutas. Diferente de muitos antagonistas que povoam esse tipo de história, Thrawn entende perfeitamente a capacidade dos heróis e age de acordo para detê-los, nunca subestimando seus adversários e tratando seus embates com a frieza de uma partida de xadrez. Apesar da aparente frieza, Lars Mikkelsen consegue sutilmente nos mostrar os sentimentos de Thrawn, em especial o temor que ele sente ao descobrir que Ahsoka fora treinada por Anakin.
Uma das poucas pessoas do Império que sabe que Anakin Skywalker e Darth Vader são a mesma pessoa, Thrawn trava a mandíbula ao saber quem foi o mestre de Ahsoka e sua atitude muda de imediato. Ao invés de tentar eliminá-la como sugerem as Irmãs da Noite, Thrawn foca em apenas atrasar Ahsoka e os demais, já que tudo que precisa para vencer é preparar sua nave para deixar o planeta e retornar à Galáxia. O modo como ele toma uma ação mais cautelosa contra Ahsoka ao invés de investir em um confronto mais direto denota o temor que ele tem em relação ao poder e imprevisibilidade dela, preferindo evitar enfrentá-la diretamente a menos que seja indispensável.
Os planos de Thrawn para atrasar Ahsoka fazem o episódio final ser uma tensa corrida contra o tempo no qual temos a sensação de que tudo pode acontecer. Afinal, nenhum desses personagens aparece nos filmes, então qualquer um deles pode morrer a qualquer momento. Esse senso de imprevisibilidade ajudar a ampliar o suspense conforme cada novo obstáculo surge e Thrawn demonstra antever cada passo dos heróis usando o conhecimento que tem das táticas da Anakin, o que ajuda também a sedimentar o vilão como esse gênio estratégico cuja capacidade de entender os adversários é a sua principal virtude.
A série apresenta alguns das melhores cenas de ação de toda saga Star Wars, em especial os duelos de sabres de luz e o modo como explora o estilo de luta fluido e ágil de Ahsoka que remete a um samurai. Isso fica visível no duelo entre ela e Baylan no quarto episódio, em que a fluidez de seu movimento se choca com a rigidez implacável de Skoll, ou no embate entre ela e uma das Irmãs da Noite no episódio final.
Outros personagens também tem seu espaço na ação. As lutas que envolvem Sabine aos poucos demonstram a evolução de seu aprendizado com o sabre de luz. Se no início ela demonstra impulsividade no modo como empunha a arma e não parece conciliar o sabre com suas ferramentas mandalorianas, aos poucos a vemos integrar o sabre em seu arsenal, a confiar mais na Força e quando chegamos no episódio final a vemos usar um sabre e um blaster ao mesmo tempo (lembrando o modo como Cal Kestis fez isso em Jedi Survivor) com grande habilidade. As lutas envolvendo Ezra no penúltimo episódio exploram de maneira criativa como um Jedi consegue lutar sem um sabre de luz, confiando apenas na Força.
Mesclando com competência ótimas
cenas de ação e um consistente desenvolvimento de personagem, Ahsoka é um ótimo estudo sobre sua
protagonista e também um louvável esforço de redimir os erros das últimas duas
trilogias de Star Wars.
Nota: 8/10
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