quinta-feira, 19 de outubro de 2023

Crítica – BlackBerry

 

Análise Crítica – BlackBerry

Review – BlackBerry
Hollywood se interessou em contar várias histórias de produtos em 2023. Tivemos Air, TetrisFlaming Hot e The Beanie Bubble, todos de alguma maneira usando histórias de produtos ou pessoas de sucesso para confirmar todos os mitos sobre o capitalismo e empreendedorismo. Pensei que BlackBerry poderia ser mais uma dessas produções, mas a produção acertadamente vai na contramão de outras histórias de produtos para refletir que não existe garantia de sucesso, que você pode “trabalhar enquanto eles dormem”, ser o melhor no faz, dar tudo de si e ainda assim fracassar.

Alguns poderiam dizer que é um retrato pessimista, mas eu diria que é uma visão realista de como as coisas funcionam no mundo capitalista no qual nem tudo é mérito individual e que nos lembra como são ingênuas noções de que tudo vai dar certo se você simplesmente se dedicar e fazer por merecer. A trama conta a história real de ascensão e queda do BlackBerry, o primeiro smartphone, que dominou o mercado por alguns anos até ser completamente obliterado pela Apple e seu iPhone. Acompanhamos o engenheiro Mike Lazaridis (Jay Baruchel) e o executivo Jim Balsillie (Glenn Howerton) conforme eles tomam o mercado de telefonia móvel com um produto que ninguém pensava ser possível de fazer.

O filme é encenado com um uso constante de câmera na mão, com uso aparente de zoom-ins e zoom-outs como se estivéssemos em tempo real acompanhando os eventos de fato, conferindo uma espécie de realismo documental à trama sendo contada e também um senso de movimento constante. Os personagens, assim como a câmera, estão sempre em movimento. Há um senso constante de oportunidades e crises se apresentando diante deles e que os personagens estão sempre buscando maneiras de lidar com isso. A impressão é que navegar nas águas do capitalismo é como ser um tubarão: ou se mantem nadando ou morre.

Ninguém representa isso melhor do que Jim, a quem Mike literalmente se refere como tubarão em um diálogo no filme. Glenn Howerton (de It’s Always Sunny in Philadelphia) devora o cenário como Jim, um sujeito que entende a natureza predatória do capitalismo e age ele próprio como um predador, sempre farejando uma presa e sempre fazendo tudo que é possível para conseguir o que quer. É um personagem que poderia cair na pura histeria, mas Howerton encontra nele uma insegurança por traz de toda a fachada agressiva que ajuda a humanizar o personagem e nos faz ver como toda a agressividade e constantes xingamentos são uma tentativa de mostrar força e afastar aqueles que tentam tirar vantagem.

Logicamente nada disso inocenta o personagem de sua conduta tóxica e, em alguns casos, flagrantemente desonesta e ilegal, bem como a egomania descontrolada que toma conta dele uma vez que a empresa se torna um sucesso e ele percebe que pode ter tudo que sempre sonhou, a questão é que entendemos o que move esse sujeito ao invés de o vermos como uma caricatura histriônica. Mike, por outro lado, é construído por Baruchel como um sujeito inteligente, com uma visão mais avançada que outros do ramo da telefonia e com um cuidado genuíno pela qualidade de seus produtos, embora não possua a firmeza e instinto para negócios.

Assim, o filme consegue nos fazer entender porque a parceria entre Mike e Jim dá certo e como eles se complementam, algo evidenciado na cena do pitching para a Verizon, no qual Jim consegue convencer os executivos de como o modelo de negócios da telefonia deixa a desejar, mas não consegue responder as perguntas técnicas de como funcionaria o BlackBerry, deixando para Mike impressionar a todos com seu conhecimento de tecnologia.

Aos poucos, porém, a própria natureza competitiva do negócio e do ramo da tecnologia vai transformando esses personagens, em especial Mike que vai se tornando mais duro com seus funcionários e, assim como Jim, passa a se dispor a qualquer coisa para manter a empresa no topo, inclusive sacrificar sua preocupação com qualidade ao mover a produção para fábricas no exterior que ele julga não serem tão boas. Nesse ponto o filme poderia encerrar como uma fábula moral, nos mostrando que foi a corrupção dos valores de Mike e Jim que levou à sua derrocada, mas o texto é inteligente ao evitar uma conclusão tão simplória.

Os minutos finais mostram o lançamento do iPhone e como ele mudou a paisagem da telefonia móvel, não apenas pelo aparato em si, muito mais elegante em design e evocando um senso maior de modernidade, como pela mudança no negócio que ele produziu. Com tantas funções integradas, o iPhone permitia às empresas de telefonia cobrar por dados ao invés de minutos, o que abria ainda mais as margens de lucros e fez as empresas optarem pela Apple e largarem a BlackBerry. No fim, não foi a incompetência ou ego que derrubou os protagonistas, mas o fato de que outra pessoa fez algo mais interessante.

Mike era um excelente engenheiro, mudou o ramo ao criar seu dispositivo e talvez ainda tivesse muito mais a oferecer, mas a Apple vislumbrou uma outra forma de explorar a telefonia móvel e o público (empresas e consumidores) preferiram. Toda a inteligência e trabalho duro não garantiram sucesso, porque no livre mercado ninguém é insubstituível ou indispensável e a qualquer momento alguém pode aparecer com uma ideia mais interessante que muda os ventos do consumo.

Nesse sentido, o grande mérito de BlackBerry é fugir da ingenuidade típica das histórias sobre empreendedorismo para nos lembrar de que nada é garantido, que você pode ser bom, trabalhar duro, ter visão e se dedicar e ainda assim dar errado porque o capitalismo corporativo é volátil e não existe uma meritocracia plena.

 

Nota: 8/10


Trailer

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