sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Crítica – Cassandro

 

Análise Crítica – Cassandro

Review – Cassandro
Dentro da luta livre, cada combatente encarna um personagem com traços bem definidos e uma função específica para cumprir dentro da luta. É menos sobre uma luta em si e mais um espetáculo que se constrói em cima de narrativas relativamente maniqueístas com heróis, vilões, protagonistas e coadjuvantes bem definidos. Cassandro, produção da Prime Video, conta a história real de um lutador que desafiou a função de seu papel e com isso desafiou a própria maneira como a sociedade lidava com homens gays.

A trama gira em torno de Saúl (Gael Garcia Bernal) um jovem gay que deseja se tornar um astro da cena de lucha libre mexicana na cidade de El Paso, Texas. É um ambiente extremamente impregnado de um tipo arcaico de masculinidade e Saúl inicialmente se contenta em criar um personagem que se adequa ao arquétipo do “fraco” para ter chance de obter uma narrativa em que ele vença como azarão. Todos dizem que ele deveria usar sua criatividade e extravagância para ser um “exótico”, mas ele se recusa pelo fato de que os exóticos nunca ganham lutas. Cansado de fugir de si mesmo, eventualmente Saúl decide criar um personagem exótico em Cassandro, um gay extravagante que vai na contramão dos tipos machos da lucha libre, decidido a mudar a narrativa e fazer um exótico vencer.

É bem visível o contraste entre o cotidiano mais calmo e contemplativo de Saúl com as cores, luzes, extravagância e excessos de suas performances como Cassandro. É como se ele vivesse no mundo real tentando passar desapercebido, discreto, sem chamar atenção para si, preocupado apenas em sobreviver. Quando ele sobe no ringue, por outro lado, sua performance espalhafatosa, demonstrando sua sexualidade de forma jocosa, deixando os héteros desconfortáveis, parece refletir um aspecto de si que o protagonista sufocou a vida inteira. Ali é como se Saúl, performando Cassandro, passasse a existir na plenitude de seu ser.

É isso que dá força a uma trama que, de outra maneira, seria só mais uma história de esporte e superação. Aqui o roteiro entende a força que as representações midiáticas carregam consigo e os mitos sociais que elas reproduzem. Ao mudar a narrativa de seu personagem na luta, mostrando que exóticos, a despeito de suas diferenças, podem ser campeões e tão heroicos quanto qualquer personagem mais normativo, o protagonista também transforma a narrativa de homens gays como ele fora dos ringues, promovendo visibilidade, diálogo e aceitação de uma maneira que atinge um público que tipicamente não teria contato com o universo LGBTQIA+.

Isso fica evidente em uma das últimas cenas, quando Saúl é homenageado em um programa de televisão e um jovem da plateia lhe diz que o personagem Cassandro lhe deu coragem para sair do armário e que foi bem aceito pelo pai, que era fã de luta livre. O momento serve como um lembrete do efeito que a representatividade pode ter e da força transformadora que alguém que desafia padrões e narrativas impostas pode ter no mundo.

Cassandro é uma afetuosa celebração da trajetória de seu biografado, lembrando dos impactos positivos da representatividade.

 

Nota: 7/10


Trailer

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