A trama acompanha a trajetória de Mussum (Yuri Marçal na juventude, Ailton Graça na idade adulta) da infância até o auge do seu sucesso com Os Trapalhões, mostrando sua formação militar, sua trajetória na música com o grupo Originais do Samba e sua relação com a mãe, Malvina (Cacau Protásio/Neusa Borges). Como muitas biografias recentes é relativamente episódica, saltando rapidamente entre várias temporalidades e raramente dando tempo para que conflitos persistam, resolvendo problemas assim que eles se apresentam e se movendo rapidamente para o próximo evento significativo da trama.
Considerando a trajetória do personagem, não é de se estranhar que a história seja contada com um viés mais humorístico e leve, sendo coerente com a vida de boemia e comédia do biografado. Isso não significa que não existem momentos de emoção e drama, eles estão presentes sim, principalmente nas cenas entre Mussum e a mãe, onde vemos o afeto que guia esses dois personagens, bem como a fonte para muito do senso de humor do protagonista.
Tanto Cacau Protásio quanto Neusa Borges, que interpretam Malvina em diferentes épocas, transitam com muita fluidez entre o drama e a humor, trazendo um calor humano imenso para a matriarca. Além disso, há uma coesão enorme entre as escolhas de atuação de ambas atrizes, dando a impressão de que estamos diante da mesma pessoa independente de quem está em cena, algo que nem sempre acontece quando uma mesma personagem é interpretada por pessoas diferentes num mesmo filme.
Ailton Graça é igualmente eficiente em lidar tanto com a leveza quanto com o drama do personagem, divertindo em algumas recriações de esquetes famosos do Mussum. Por outro lado, nos momentos em que o filme tenta inserir drama sem envolver a mãe do protagonista, as coisas nem sempre funcionam. A cena em que Mussum conhece a segunda esposa, por exemplo, tem uma cadência e uma seriedade que destoam do resto do filme e não envolve como deveria.
É uma biografia que tem um tom meramente laudatório, que arrisca pouco nas nuances e contradições do personagem diferente do que acontece no documentário Mussum: Um Filme do Cacildis (2019) que explora mais o lado mulherengo do biografado e como ele teve vários filhos fora do casamento ou problematiza o tipo de humor que ele fazia com Os Trapalhões lembrando como alguns esquetes reproduziam ideias preconceituosas sobre negros apesar do pioneirismo de Mussum na televisão brasileira ser inegável. Essas contradições ajudariam a dar mais complexidade ao personagem, mas estão ausentes no filme.
Claro, algumas supressões ou eventos que passam muito rápido certamente tem questões jurídicas envolvidas, especialmente no momento em que o filme narra a ruptura de Mussum, Dedé (Felipe Rocha) e Zacarias (Christiano Torreão) com Renato Aragão (Gero Camilo, que soa acima da idade para ser um jovem Didi). A breve menção à separação do grupo, pintada no filme como meramente uma questão de ego quando, na verdade, foi mais complicado que isso, é provavelmente o máximo que o filme poderia mencionar desse evento sem arriscar problemas, já que Renato Aragão não costuma reagir bem a ter sua versão dos eventos contestada em público.
O filme também peca por algumas metáforas visuais óbvias e pouco sutis, como a cena no início em que Mussum ainda criança fica literalmente em cima do muro com a mãe de um lado e o samba do outro. Mais adiante, quando é obrigado a tocar durante a turnê internacional ao invés de voltar ao Brasil para cuidar da esposa que sofrera um aborto espontâneo, vemos o rosto do protagonista dividido diante de um espelho quebrado, indicando a divisão interna do personagem. Em outro momento, perto do final, vemos o rosto de Mussum refletido no fundo de um copo de uísque, uma indicação pouco sutil dos problemas do personagem com o álcool, embora durante quase todo o restante do filme sua relação com a bebida seja tratada mais com um olhar cômico.
Ainda assim, Mussum: O Filmis funciona pelo senso de humor e por informar ao
público sobre o amplo legado de seu biografado, além de boas performances de
Ailton Graça, Cacau Protásio e Neusa Borges.
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