Perdi as contas de quantas vezes assisti Jamaica Abaixo de Zero na Sessão da Tarde na TV quando criança. Eu gostava tanto do filme que cheguei a gravar o filme VHS pra rever quando quisesse. Como em 2023 ele comemora 30 anos de seu lançamento em 1993, resolvi falar um pouco sobre ele.
A trama se baseia na história real da formação de uma equipe jamaicana de corrida trenó para as Olimpíadas de Inverno de 1988. Um esporte de inverno em uma ilha tropical é uma ideia tão insólita que é fácil entender porque a Disney quis transformar isso em filme. No filme a narrativa é centrada em Derice (Leon) um velocista que sonha em representar o país nas Olimpíadas. Quando um acidente na classificatória tira de Derice as chances de competir, ele busca outras alternativas ao sonho olímpico. É aí que ele conhece Irv (John Candy), estadunidense radicado em Kingston que anos atrás tentou convencer o pai de Derice a formar uma equipe de trenó com velocistas jamaicanos. Apesar de afastado do esporta há décadas, Irv relutantemente aceita treinar Derice e a equipe formada por ele.
É uma história de esporte e superação bem típicas, com os jamaicanos funcionando como os azarões da disputa, uma equipe que ninguém acredita, mas que eventualmente provam seu valor. Apesar da estrutura esquemática, o filme conquista pelo senso de humor, em especial pelo treinador interpretado por John Candy e pela personalidade excêntrica de Sanka (Doug E. Doug), melhor amigo de Derice, e também pelo cuidado na construção das relações da equipe.
Cada um dos quatro membros do time, além do treinador, tem seu próprio arco e tem cenas com cada um dos colegas em que vemos os laços individuais se fortalecerem entre cada um deles. Claro, existem algumas duplas com mais tempo que outras, como Derice e Sanka ou Yul (Malik Yoba) e Júnior (Rawle D. Lewis), mas cada um tem seu espaço para se conectarem com os companheiros de equipe. Apesar de ser famoso por seu trabalho cômico, John Candy consegue dar conta também das facetas mais dramáticas de Irv, explorando seu amargor por ter sido ostracizado do esporte e a dor do arrependimento de ter arruinado a carreira com decisões antiéticas, algo que fica evidente na cena em que ele responde a Derice sobre o porquê dele ter trapaceado no passado.
Analisando com um olhar contemporâneo e pensando nas discussões atuais sobre representatividade e identidade na arte, é curioso perceber como demandas atuais já estavam presentes no filme. Boa parte da jornada para a equipe se entender e conseguir encontrar a própria confiança para competir gira em torno deles entenderem que não adianta tentar imitar o estilo ou os rituais de equipes europeias ou de outros lugares do norte global, mas abraçar seus próprios valores como jamaicanos e se expressar no esporte com suas linguagens ao invés das dos outros. Só quando os personagens se tornam confortáveis consigo mesmos é que eles se encontram enquanto atletas.
Não que a Disney tenha propositalmente feito um filme decolonial na década 90, longe disso, mas essas ideias acabam transparecendo no produto final mesmo não sendo a intenção. Digo isso porque tanto o elenco quanto o diretor Jon Turteltaub já mencionaram em entrevistas que o estúdio não queria que os personagens falassem com sotaque jamaicano, temendo que não soasse compreensível para a audiência nos Estados Unidos. O diretor precisou insistir com o estúdio para manter e ainda assim o que ficou no filme é uma versão suavizada e um pouco estereotipada do sotaque jamaicano, soando, nas palavras do próprio diretor, como o Sebastian de A Pequena Sereia (1988), o que evidencia que a Disney estava longe de almejar um filme que de fato permitisse que essa população se expressasse em seus termos.
O filme também toma várias liberdades com a história real. A verdadeira equipe jamaicana de trenó não foi formada por velocistas e sim por militares do exército do país. Dois empresários dos Estados Unidos viram as competições de carrinho de mão que eram populares na Jamaica e pensaram que as mesmas habilidades poderiam ser usadas em corridas de trenó. Eles tentaram formar um time, mas ninguém se interessou, então levaram a ideia ao comitê olímpico do país, que propôs a ideia aos militares.
Diferente do filme, a equipe jamaicana não fora hostilizada pela imprensa e outros competidores, mas tratada com curiosidade, atraindo atenção por onde passavam. Apesar do trenó da equipe de fato ter virado, eles não carregaram o trenó até o fim do percurso como no filme, tendo simplesmente empurrado até a linha de chegada. São escolhas que visaram amplificar o drama e criar conflitos e clímaxes que se encaixassem em um arco narrativo tradicional, já que na vida real as histórias dificilmente se resolvem de maneira tão intensa ou tão redonda quanto na ficção.
Temi que rever Jamaica Abaixo de Zero hoje pudesse não
ter a mesma graça, mas graças ao humor e ao carisma do elenco ainda é uma
produção que se sustenta apesar de ser uma trama de superação bem lugar comum.
Trailer
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