sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Crítica – Gen V: 1ª Temporada

 

Análise Crítica – Gen V: 1ª Temporada

Review – Gen V: 1ª Temporada
Não esperava muita coisa quando Gen V foi anunciado. A ideia de um derivado de The Boys que se situava em uma academia de treinamento para jovens heróis da Vought parecia mais algo pensado para atender as demandas contemporâneas por “universos compartilhados” do que uma necessidade narrativa ou dramatúrgica da história sendo contada. Felizmente eu estava equivocado e Gen V não só traz outras perspectivas sobre o universo de The Boys como também acaba sendo bem coeso em dialogar com a série original.

A trama é centrada em Marie (Jaz Sinclair), uma jovem que cresceu em um orfanato da Vought depois de acidentalmente matar os pais quando descobriu seus poderes de controlar sangue com a mente. Misteriosamente ela recebe uma bolsa para estudar na universidade Godolkin, instituição que forma as próximas gerações de heróis da Vought. Lá ela começa a fazer amizade com a colega de quarto, Emma (Lizze Broadway), ao mesmo tempo em que desperta tensões com os alunos mais populares. As coisas se agravam quando Golden Boy (Patrick Schwarzenegger), o aluno mais popular, mata um dos professores e depois se mata. Isso coloca Marie e outros colegas para investigar o que aconteceu e os coloca no centro de uma conspiração da Vought.

De início parece mais uma história que usa a descoberta e controle de poderes especiais como uma metáfora para adolescência e juventude. Não deixa de ser isso, a exemplo dos poderes de encolher de Emma e como isso ilustra transtornos alimentares, no entanto, a trama também usa esses elementos para tecer comentários sobre a sociedade atual com o mesmo senso de exagero e absurdo que The Boys.

O cenário da universidade serve para mostrar como, neste universo, os heróis existem mais como figuras midiáticas, feitas para vender produtos ou estrelarem filmes, do que efetivamente combater o crime. A narrativa mostra como pouquíssimos deles são treinados para serem super-heróis com boa parte das aulas focando mais em atuação ou em como conseguir seguidores. Os experimentos que ocorrem no subterrâneo da faculdade para gerar heróis mais poderosos (como o caso de Golden Boy) e mecanismos para controlar os supers sedimenta como a Vought os vê como produtos e a ideia de um vírus letal para quem tem poderes conecta diretamente a várias tramas e personagens de The Boys.

Mais que isso, a série traz discussões sobre a ascensão do fascismo nos Estados Unidos e como meios de comunicação de massa podem ser usados para alienar a população e moldar a percepção de verdade. Vemos isso nos primeiros episódios quando Marie e Andre (Chance Perdomo) são tratados pela imprensa como os heróis que salvaram Godolkin de Golden Boy quando na verdade foi Jordan (Derek Luh/London Thor) quem o enfrentou, mas a Vought considera o modo como Jordan troca de gênero para usar seus poderes como algo “difícil de vender para o grande público”. Do mesmo modo o debate sobre o governo ter uma agência que supervisiona os supers mostra como o discurso supremacista do Capitão Pátria (Anthony Starr) em The Boys atingiu essa nova geração de heróis que se vê como acima da humanidade.

Ainda assim, a trama evita maniqueísmos fáceis através do arco de Sam (Asa Germann). Tendo crescido num laboratório, sendo maltratado e alienado da sociedade a vida toda, Sam encontra nesse discurso reacionário de supremacia dos supers um senso de propósito, pertencimento e comunidade que nunca tinha experimentado antes, mostrando como esse tipo de retórica extremista é calibrada para apelar para as frustrações e sentimentos de inadequação de pessoas marginalizadas ou ignoradas pela sociedade.

Assim como em The Boys, a série acerta ao dar a cada personagem uma motivação compreensível para suas ações, mesmo que estas sejam cruéis. Shetty (Shelley Conn), a reitora de Godolkin, tem um passado que nos faz entender porque ela instiga o Dr. Cardosa (Marco Pigossi) a criar um vírus para exterminar todos os supers. Do mesmo modo, Cate (Maddie Phillips) exibe uma solidão e vulnerabilidade emocional que nos fazem entender o porquê dela ter cumprido ordens da reitora durante tanto tempo e manipulado Golden Boy e Andre do jeito que fez. Aliás, Cate dá uma guinada surpreendente ao longo da série, já que de início ela não parece ser muito mais do que um interesse romântico e aos poucos se estabelece como uma das mais perigosas antagonistas.

A ação traz a mesma ultraviolência que The Boys, com corpos despedaçados e partes de corpos sendo despedaçadas que servem para mostrar o poder desses indivíduos e também nos surpreender com a criatividade mórbida da série. O melhor exemplo é quando Marie usa seus poderes de sangue para explodir o pênis de um colega que tenta abusar dela. Cenas como essa misturam o grotesco com certa comicidade exagerada, tal como na sequência em que Sam destrói uma tropa inteira da Vought, mas tudo é mostrado como se os envolvidos fossem fantoches ao estilo Muppets. O fim da temporada, porém, acaba sendo um pouco abrupto, finalizando a batalha em Godolkin com um corte súbito que acaba sendo um pouco anticlimático.

Ácido, violento e com personagens interessantes, a primeira temporada de Gen V não apenas consegue se provar como um bom derivado de The Boys, mas como uma boa série em seus próprios méritos.

 

Nota: 8/10

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