sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Crítica – Scott Pilgrim: A Série

 

Análise Crítica – Scott Pilgrim: A Série

Review – Scott Pilgrim: A Série
Meu primeiro contato com a obra de Bryan Lee O’Malley foi a adaptação para os cinemas de Scott Pilgrim Contra o Mundo (2010), de Edgar Wright. Um tempo depois fui ler o quadrinho homônimo que inspirou o filme e gostei ainda mais, já que ele aprofundava mais os vários personagens e dava mais evidência ao fato de Scott estar longe de ser um “cara legal” e que Ramona tinha seu grau de responsabilidade no modo como tratava aqueles com quem se relacionava. Agora, cerca de vinte anos depois do lançamento do quadrinho, ele é adaptado como série animada pela Netflix neste Scott Pilgrim: A Série.

Inicialmente pensei que fosse ser uma adaptação mais fiel da HQ e me empolguei pelo fato do elenco de dubladores ser o mesmo do filme do Edgar Wright, já que todos funcionavam muito bem. A série, no entanto, é mais uma releitura do material original do que uma transposição direta, o que acaba se revelando uma boa escolha. Primeiro que evita a estrutura de uma ordem linear no enfrentamento com os ex-namorados de Ramona, algo que fez o quadrinho e o filme soarem repetitivos em certos pontos. Segundo que com o distanciamento de vinte anos de sua própria obra, O’Malley, que escreveu os roteiros dos oito episódios, pode examinar melhor alguns aspectos que não foram tão bem trabalhados no original e expande muito de suas ideias.

A premissa é a mesma de sempre: Scott Pilgrim (Michael Cera) é um jovem perdido na vida que se apaixona por Ramona Flowers (Mary Elizabeth Winstead), mas para ficar com ela precisa enfrentar a liga de seus sete ex-namorados malignos em batalhas que misturam as linguagens de animes e games. O que muda aqui é que Scott é derrotado já na primeira luta, aparentemente sendo morto por Matthew Patel (Satya Bhabha), levando Ramona a empreender uma busca para trazer Scott de volta.

A série consegue manter a essência do material que refletia sobre o início da vida adulta e como esse começo é marcado por fracassos, erros e condutas imaturas que raramente paramos para analisar porque nos consideramos os heróis de nossas próprias histórias. Simultaneamente, traz frescor a essa história já conhecida e adaptada tão bem para os cinemas ao repensar os caminhos da sua narrativa, mantendo um grau de imprevisibilidade mesmo para quem já consumiu as outras versões da história de Scott Pilgrim.

A nova trama traz mais foco para a relação de Ramona com os ex, visitando o passado desses personagens de maneiras que o quadrinho apenas sugeriria e explorando como os antagonistas tem motivações compreensíveis para guardar mágoas de Ramona, já que nenhuma das relações acabou bem e por escolha dela. Nesse sentido, a série acaba aproximando a imaturidade afetiva de Ramona com a Scott, já que ele próprio irresponsavelmente começa uma relação com Knives (Ellen Wong) mesmo sem interesse em levá-la adiante e larga ela sem muita consideração assim que encontra alguém melhor em Ramona.

Além de dar mais personalidade aos ex e aos integrantes da banda de Scott, a série repensa a própria metáfora dos ex como uma necessidade de “vencer” o passado. Como O’Malley retorna a sua criação depois de vinte anos e, provavelmente, com outro olhar sobre a vida, relacionamentos e maturidade a ideia de que o passado é algo a ser derrotado é modificada pela noção de que o passado é algo que devemos aprender a conviver e que é necessário se reconciliar com o passado já que essas experiências nunca irão embora, sendo melhor aceitá-las como parte de nós e aprender com elas do que tentar eliminá-las de nossas vidas. É exatamente o que Ramona faz ao final, reconhecendo como suas atitudes magoaram seus ex e atentando para seus próprios padrões tóxicos de comportamento. Nesse sentido, é simbólica a destruição de sua icônica bolsa sem fundo, como se isso representasse ela se libertando da peso da bagagem emocional que trazia consigo.

Claro, toda essa ideia de conciliação com o passado não significa que a série abriu mão das cenas de luta que tornaram o universo de Scott Pilgrim famoso. Ainda temos embates que remetem a games e animes, como a luta de Lucas Lee (Chris Evans) contra paparazzi ninjas ou o embate de vários personagens contra o Scott do futuro. O clímax, aliás, deixa bem explícito como a visão de que Scott é um “cara legal” que foi usado por Ramona é uma interpretação problemática e resulta da falta de entendimento sobre os temas centrais da trama. Na verdade, a série resolve tão bem sua trama que o gancho deixado ao fim soa meio decepcionante uma vez que uma continuação poderia estragar o excelente final que a trama entrega aqui.

Assim Scott Pilgrim: A Série apresenta uma inesperada releitura do material em que se baseia, mantendo a essência do seu universo ao mesmo tempo em que apresenta um olhar mais amadurecido sobre seus temas centrais.

 

Nota: 9/10


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