A trama segue o diretor Giovanni (Nanni Moretti) que está prestes a começar a produção sobre um filme a respeito do Partido Comunista Italiano na década de 1950 e como eles reagiram à invasão soviética a Hungria. Ao mesmo tempo, ele tem problemas em casa por conta da decisão de sua esposa, Paola (Margherita Buy), de produzir um outro filme além do dele. O outro filme produzido por Paola é um filme de máfia bem típico, o que incomoda Giovanni e vai criando conflitos entre eles.
Como boa parte do cinema de Moretti, o filme é contado quase que unicamente da perspectiva de seu personagem, filtrado por suas neuroses e idiossincrasias. É o tipo de coisa que poderia facilmente cair em uma egotrip autoindulgente (como o Iñarritu em Bardo), mas embora a produção tenha momentos dessa natureza, em especial através de alguns diálogos excessivamente didáticos em que o filme mastiga sem sutileza suas ideias, no geral o filme evita cair nisso por conta do senso de humor que Moretti traz às situações. Especialmente no modo como ele é capaz de rir de si mesmo e suas próprias neuroses, entendendo que algumas de suas inquietações podem ser pulsões quixotescas de um homem lutando contra transformações que não entende plenamente.
Um exemplo disso é a cena em que Giovanni praticamente paralisa a gravação do filme de Paola por achar equivocado o modo como diretor filma um plano. Giovanni parte então para pedir a opinião de outros artistas, arquitetos e outras pessoas para dissuadir o diretor de filmar o “plano feio” durante horas, até o dia amanhecer, culminando num momento de exasperação em que o protagonista anuncia “vou ligar para o Scorsese” apenas para a ligação cair na caixa de mensagens do diretor e ele ter que desistir de sua intervenção e deixar a cena ser filmada. É um momento que faz piada por a egolatria de Giovanni (e de Moretti por consequência) mostrando como sua conduta autocentrada de querer dobrar o mundo às suas vontades pode ser tóxica e desrespeitosa, ao mesmo tempo ridícula por conta do absurdo de seu comportamento.
O filme também pondera sobre as transformações políticas da Itália e um clima de desalento com a situação do país comparando o momento atual com o desencanto com o projeto socialista na década de 1950. Esse paralelo é feito pelo filme de Giovanni, que narra o momento em que os comunistas italianos se deram conta do autoritarismo violento do modelo stalinista e abandonaram seus projetos políticos. É como se Moretti refletisse que essa incapacidade da esquerda de construir um projeto de igualdade social desgarrado de um modelo comunista soviético tivesse, desde os anos 50, criado um vácuo político que facilitou a dominância de forças populistas ou reacionárias na política italiana (a exemplo da atual Primeira-Ministra).
A subtrama envolvendo a prisão do financiador de Giovanni, Pierre (Mattieu Amalric), serve para o diretor discutir a dificuldade de se produzir filmes em um mercado pouquíssimo disposto a arriscar e que trata a arte como uma receita de bolo. Sem seu financiador, ele precisa buscar dinheiro em outras fontes, como plataformas de streaming. A reunião com os executivos da Netflix rende um dos momentos mais divertidos do longa, com os executivos pedindo um roteiro cada vez mais rápido, com viradas a cada cinco minutos para manter interessado um público cada vez mais disperso e a inserção de cenas bombásticas para viralizar na internet. Tudo diante da expressão embasbacada de Giovanni e Paola conforme os funcionários da Netflix encerram todas as falas dizendo “estamos em 190 países” como se fossem um Pokémon que não consegue falar outra coisa além de repetir o próprio nome, mostrando também como a Netflix tenta seduzir realizadores com essa promessa de visibilidade global ao custo de uma pasteurização do audiovisual para se conformar a padrões tão restritos que tiram qualquer personalidade da arte.
Apesar de todas essas críticas à contemporaneidade, o arco
de Giovanni acaba sendo otimista, com o personagem sempre encontrando um meio
de atingir seus objetivos sem precisar comprometer seus valores. Ele entende
que não é possível se manter sempre apegado ao passado e como a nostalgia pode
nos limitar de construir caminhos possíveis para o futuro caso nos deixemos
tomar pelo pessimismo. Estruturas e ideias precisam morrer para renascer, se
adequar as novas possibilidades e construir uma esperança de transformação. É
como se Moretti nos guiasse em seu próprio processo catártico de sair de sua
depressão através desse filme.
Nota: 8/10
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