A trama acompanha a atriz Elizabeth (Natalie Portman) que está estudando para interpretar uma personagem baseada em uma pessoa real, Gracie (Julianne Moore). Vinte anos atrás Gracie foi presa por manter um relacionamento sexual com um garoto de treze anos. Ao sair da prisão ela retomou o relacionamento e permaneceu casada com o rapaz, Joe (Charles Melton), até o momento em que Elizabeth a procura para fazer o filme. Eles vivem uma existência pacata no interior dos Estados Unidos, ocasionalmente lidando com um ou outro olhar torto, mas parecem uma família estável, com um relacionamento amoroso e dois filhos bem ajustados, embora o mesmo não possa ser dito dos filhos do primeiro casamento de Grace.
A presença de Elizabeth desestabiliza tudo, no entanto, com a tentativa dela de entender Gracie e as pessoas ao seu redor levando esses indivíduos a se fazerem perguntas que há muito não se faziam. Apesar de prometer um tratamento justo, Elizabeth está ali para pisar nos calos e cutucar as feridas para ver como as pessoas reagem a essas provocações. Sim, há um interesse artístico verdadeiro movendo Elizabeth, mas ela também parece estar tentando buscar alguma adrenalina na transgressão de Gracie seja para entendê-la quanto personagem, seja para seu próprio prazer. Isso fica evidente na cena em que ela vai até o depósito em que Gracie e Joe tinham seus encontros sexuais escondidos e senta no chão tocando o próprio corpo. É como se ela fosse um vampiro tentando absorver essas emoções latentes naquele espaço, representando também o próprio vampirismo hollywoodiano em devorar as vidas das pessoas, explorando suas histórias e tratá-los como seres aberrantes.
É possível perceber isso na cena em que Elizabeth vai visitar a escola de Gracie e participa de uma sessão de perguntas com o clube de teatro. Respondendo uma das perguntas, a atriz entra em um longo e indulgente discurso sobre cenas de sexo que parece direcionado a um dos alunos, talvez querendo se aproximar do ato de Gracie em seduzir um adolescente (novamente há uma ambiguidade moral em suas ações, ela faz isso por pesquisa artística ou porque busca a excitação do ato?). Em outra resposta ela ridiculariza Gracie, mesmo sabendo que a filha dela está na plateia, deixando claro que ela vê Gracie e sua família como uma aberração a ser explorada por entretenimento, ainda que em outros momentos se mostre fascinada com a personagem complicada e interessante que Gracie é.
Isso acontece porque Gracie é de fato uma figura fascinante. Mesmo tendo menos tempo de tela que Elizabeth ou Joe é ela quem mais fica em nossa memória. Por mais que as ações egocêntricas de Elizabeth nos façam questionar que direito ela tem de se colocar em um pedestal de superioridade moral e julgar Gracie, as ações da própria Gracie inevitavelmente convidam nosso julgamento. Gracie não apenas reforça toda ideia de que viveu uma paixão arrebatadora por Joe e que foi ele, aos treze anos, que a seduziu, mas parece não exibir qualquer arrependimento, pesar ou dúvida quanto a suas ações. Ela transita entre uma ingenuidade estúpida na qual ela parece ser tola demais para entender suas ações e uma sociopatia fria na qual ela no qual ela sabe o que fez, não dá a mínima e tenta direcionar a narrativa para se fazer de vítima da história.
Gracie exerce um controle excessivo que ela exerce sobre o cotidiano do marido ou dos filhos ou a linguagem ácida que ela usa quando não gosta de algo. Isso fica visível quando ela leva a filha para experimentar vestidos de formatura e comenta a coragem da garota ao escolher um vestido que deixa seus braços expostos não se importando com padrões de beleza. Um comentário que soa perfeitamente calibrado para soar como um elogio, mas que carrega uma crítica passivo-agressiva à forma física da garota.
Esse tipo de veneno é também destilado em Joe quando ele questiona as histórias que contam a si mesmos e Gracie rechaça com agressividade suas perguntas. É um momento em que as rachaduras da relação se quebram com clareza diante dos nossos olhos, deixando clara a dinâmica manipulativa latente que reside por baixo da aparência de uma vida normal, feliz e amorosa. A relação entre Gracie e Joe só funciona porque depende de que todas as partes concordem com a dinâmica ditada por Gracie e a versão dela acerca dos eventos de treze anos atrás quando Joe era um garoto. Quando tiramos isso, esses personagens se veem a deriva e com dificuldades de funcionar. Mais uma vez o texto deixa elementos a nossa interpretação, sendo possível entender que a conduta de Gracie pode ser a de alguém em negação, que tenta a todo custo fugir da realidade bizarra de suas ações passadas, como a de alguém que não se importa com os sentimentos de ninguém e vê Joe ou qualquer outra pessoa como um joguete em suas mãos.
A dinâmica complexa entre esses personagens, cheia de ambiguidades morais, é amplificada pelo modo como a direção de Todd Haynes transita entre diferentes gêneros. Há um claro componente de thriller erótico na dinâmica entre Elizabeth, Gracie e Joe, com uma disputa de controle e sedução tomando parte principalmente entre as duas mulheres. A música composta por Marcelo Zarvos contribui para essa atmosfera, com acordes cheios de tensão que pontuam o suspense da queda de braço psicológica entre o trio principal. Haynes também instila um ar sombriamente cômico a essa história, conforme expõe o ridículo do ego de Elizabeth ou da visão delirante que Gracie e Joe tem sobre si. A dinâmica familiar de Gracie carrega uma medida de melodrama, principalmente quando explora o senso de vazio de Joe agora que os filhos estão indo para a faculdade e ele, pela primeira vez em muito tempo, ficará sozinho com a esposa e pondera como será a relação deles agora que não precisará mais desempenhar o papel de pai. Todas essas abordagens sempre soam justificadas pela narrativa e se mesclam em um todo coeso que faz sentido dentro da multiplicidade de facetas que cada personagem exibe.
Povoado por personagens complexos e uma direção que transita
com habilidade entre as múltiplas camadas da história, Segredos de um Escândalo é um instigante estudo de personagem que
pondera sobre culpa, identidade, arte e negação.
Nota: 10/10
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