A narrativa segue no ponto em que o primeiro parou. Paul (Timothee Chalamet) e sua mãe, Lady Jessica (Rebecca Ferguson) agora vivem entre os fremen, o povo do deserto. Paul deseja aprender os modos dele para enfrentar a ocupação dos Harkonnen, mas sua mãe tem planos ainda maiores, usar uma antiga profecia para convencer os fremen de que Paul é o messias prometido e assim fazê-lo se tornar o líder dos povos de Arrakis. As coisas se complicam quando o Barão Harkonnen (Stellan Skarsgard) manda seu cruel sobrinho Feyd-Rautha (Austin Butler) para atacar os fremen e controlar a extração da especiaria no planeta.
Como no primeiro, impressiona a construção visual do universo de Duna, com as paisagens desérticas de Arrakis iluminadas por múltiplos sóis exibindo uma beleza implacável de uma natureza intocada e capaz de destruir qualquer um que não conheça seus caminhos. O planeta dos Harnkonnen com seu sol negro que torna um branco leitoso cheio de contraste com sombras cria uma oposição visual com Arrakis, principalmente pela arquitetura do palácio dos Harkonnen que remete a construções tecno-orgânicas sinistras similares aos designs de H.R Geiger. Curiosamente seria Geiger o responsável pelo desenho de produção dos cenários dos Harkonnen na adaptação de Duna que Alejandro Jodorowski tentou fazer e não conseguiu (o documentário Duna de Jodorowsky mostra os bastidores dessa produção).
Para além dos visuais, o filme segue a exploração de temas como colonialismo e o uso da fé como instrumento de manipulação das massas. A trama acerta em mudar um pouco a conduta de Chani (Zendaya) para alguém mais questionadora da decisão de Paul de assumir a profecia e posar como o messias dos fremen, lembrando que ela seria só mais um instrumento para os estrangeiros dominarem os fremen e que trocar a violência dos Harkonnen pelo radicalismo religioso dos Atreides seria apenas trocar quem os controla. De certa maneira isso serve para criticar o tropo de “salvador branco” do arco de Paul.
Para falar mais sobre isso eu inevitavelmente tenho que comentar sobre o final e as alterações que o filme faz em relação ao livro, então aviso que os parágrafos a seguir contem SPOILERS. Se no livro o desfecho conclui a típica jornada de “salvador branco” com Paul se tornando imperador e tomando a princesa Irulan (Florence Pugh) em um casamento de fachada enquanto mantem o romance com Chani, que se torna sua concubina, em um final que soa como algo positivo apesar do potencial de uma guerra santa no horizonte (que se concretiza nos livros seguintes). Aqui, porém, o arco de Paul é menos de um salvador branco e mais o de alguém que se corrompe pelo poder e trai tudo que ele era antes, abandonando inclusive a pessoa amada, para conseguir seus objetivos. É uma vitória amarga que termina com Chani se colocando em uma posição de se opor a Paul e vir a se tornar a líder que pode de fato liberar os fremen da dominação estrangeira. Paul não termina concretizando seu destino de salvador branco, sendo enquadrado mais como um novo dominador.
Se antes os boatos de que Villeneuve faria uma “parte três” adaptando o segundo livro de Herbert me enchiam de temor considerando que todos os livros depois do primeiro vão ficando progressivamente piores. Agora, com esse final, o diretor criou um caminho bem interessante para continuar a trama e confesso que estou curioso caso haja, de fato, um terceiro filme.
O filme, porém, tem alguns problemas que me incomodam um pouco, talvez por eu ter lido a obra de Herbert várias vezes e estar muito próximo a ela. A primeira coisa é o tempo que se passa na trama. Como no filme Lady Jessica começa e termina ainda grávida da filha Alia, devemos entender que toda a campanha de Paul para retomar Arrakis levou apenas alguns meses. É algo pouco convincente considerando que se trata de guerra em escala planetária em que os fremen transitavam por paisagens hostis predominantemente a pé e que as histórias sobre os feitos de Paul precisariam circular de boca a boca por todo mundo. No livro esses eventos levam anos, com Alia já sendo uma criança no fim da história. Imagino que a decisão de manter a personagem no ventre da mãe se dá por questões de adaptação, já que as capacidades ampliadas da menina provavelmente implicariam em ter um bebê digital bizarro andando e falando como adulto e isso poderia ficar visualmente ruim. Ainda assim, fica a impressão de que o tempo que se passa na trama não seria suficiente para que os eventos narrados ocorressem.
Outra coisa é que considerando as capacidades mentais ampliadas de Paul, Jessica e outros personagens falta lisergia na construção visual do filme. Considerando que é quando Paul vai viver com os fremen que suas habilidades aumento por conta do consumo da especiaria e da “água da vida” seria importante ilustrar como alguém que vê múltiplas temporalidades ao mesmo tempo experimenta o mundo. O filme apresenta uma visão aqui e ali, mas essa capacidade precognitiva de Paul, Jessica e Alia é mais dita do que construída visualmente, tirando da narrativa um de seus elementos mais singulares que eram os mergulhos na consciência ampliada de Paul. Por toda construção visual impressionante que Villeneuve apresenta aqui fica a impressão que ele não aproveita o potencial da história para a lisergia, algo que a versão de David Lynch com todos os seus (muitos) problemas tentou explorar.
Ainda assim Duna:
Parte Dois é um épico envolvente que encerra bem o arco construído no
primeiro filme, fazendo justiça às ideias principais do romance e até
repensando de maneira interessante alguns de seus elementos que talvez não
funcionassem bem no contexto atual.
Nota: 8/10
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