quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Crítica – Ferrari

 

Análise Crítica – Ferrari

Review – Ferrari
Acompanhando um recorte bem específico de seu biografado, Ferrari é uma ponderação sobre controle e a dificuldade em aceitar os limites de nossa capacidade de controlar as condições ao nosso redor. A narrativa se passa em 1957 e acompanha um Enzo Ferrari (Adam Driver) cuja montadora está prestes a falir e o casamento com a esposa Laura (Penelope Cruz) está em frangalhos. Enzo também tem uma amante, Lina (Shailene Woodley), com quem tem um filho que mantem em segredo de Laura. Para tentar virar a situação da empresa, Enzo aposta tudo em vencer a corrida Mille Miglia e para isso aposta no piloto espanhol Alfonso de Portago (Gabriel Leone).

Desde os primeiros minutos me chamou atenção o modo como o diretor Michael Mann usa o som. É um filme com pouca música e mesmo quando há ela é bem discreta, pouco intrusiva. Apesar das tensões constantes no cotidiano do protagonista, o filme é permeado por ambientes silenciosos. Isto é, exceto quando Ferrari está nas pistas de corrida e o intenso ronco dos motores domina a paisagem sonora. Parece haver uma clara intenção de manter o resto do filme mais discreto em termos de presença de sons para criar um contraste com a intensidade do ruído dos motores ressaltando a potência desses veículos, não apenas em termos de seu potencial para corridas, mas também de sua brutal letalidade quando algo dá errado.

Carros de corrida nos anos de 1950 eram bem menos seguros do que são hoje e o filme investe as cenas de corrida de um senso de perigo e velocidade que dá a impressão de que um desastre espera a cada curva. O uso de câmeras acopladas à frente dos carros ajuda a transmitir a sensação de vertigem causada pela alta velocidade e como é difícil guiar tão rápido. As cenas são bastante gráficas ao mostrar o que acontece quando aqueles carros colidem ou saem do controle em altíssima velocidade. Perto do final, o filme exibe uma dos acidentes mais chocantes e brutais que me recordo de ter visto no cinema, mostrando o quão horrível são as consequências quando algo dá errado.

Esse acidente, por sinal, é contraposto com imagens de outros membros da equipe de Ferrari cruzando a linha de chegada e comemorando a vitória. É uma escolha que parece ilustrar como o triunfo de uma empresa como a Ferrari se constrói, entre outras coisas, em cima da morte desses pilotos, como se fossem animais abatidos em sacrifício para um bem maior. Enzo, apesar de claramente impactado por essas mortes e disposto a prestar suporte para as famílias, continua a colocar pilotos em seus carros como se isso fosse a coisa mais normal do mundo.

A morte de pilotos, algumas vezes em acidentes fortuitos como o que ocorre no clímax, é só um dos elementos do cotidiano de Enzo que escapa de seu controle e que o protagonista precisa aceitar as próprias limitações. Ao longo do filme vemos como Enzo sempre tenta se manter no controle, apesar de nem todos os seus esforços serem suficientes, como na morte de seu primeiro filho ou no modo em que sua vontade de controlar todas as decisões da empresa sem qualquer sócio a colocaram em risco financeiro. Essa obstinação, intensidade e senso de controle são muito bem construídos na performance de Adam Driver, cujo corpo parece sempre estar em movimento e a mente está sempre maquinando um jeito de resolver os problemas que se apresentam. O roteiro é inteligente o bastante para não romantizar seu biografado, mostrando Ferrari como um homem vaidoso, egocêntrico, controlador e mulherengo, além de expor a contradição de seu discurso sobre se preocupar com os pilotos enquanto lucra com os riscos que eles correm.

O filme também acerta ao evitar tornar Laura Ferrari uma figura passiva que existe apenas para gravitar em torno do marido. Penélope Cruz faz de Laura uma mulher em frangalhos por conta da perda do filho e que agora vive como uma sombra de quem fora por não conseguir lidar com essa perda. A animosidade que ela tem com Enzo parte tanto das traições que ela sabe que o marido comete (embora a esse ponto a relação deles seja mais uma parceria de negócios do que um casamento de fato) como também por culpar Enzo por não ter conseguido salvar o filho deles, uma culpa que o próprio marido carrega também.

O arco de Laura é o de aceitar essa perda e entender que ela ou Enzo não tinham controle sobre isso. O casal só chega a alguma medida de conciliação justamente quando Enzo desiste de manter controle sobre a parte de Laura na empresa e passa a vê-la mais como uma igual do que alguém a ser conduzida por ele. De certa forma, os dois lidavam com questões de controle e só consertam alguns aspectos de sua relação quando abrem mão dessas tentativas de controle;

Shailene Woodley, por outro lado, é o elo fraco do filme. Sua Lina existe mais como um ponto de conflito para Enzo e Laura do que como uma personagem autônoma, falhando em nos fazer entender o que despertou o interesse de Ferrari em Lina. Além disso, a composição de Woodley se perde em um sotaque inconstante, no qual às vezes ela tenta um sotaque italiano e em outros momentos ela parece falar sem sotaque algum, causando algum estranhamento.

Ainda assim, Ferrari é uma competente biografia que examina o que move seu protagonista e exibe os riscos brutais do universo do automobilismo na década de 1950.

 

Nota: 8/10


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