segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Crítica – Resistência

 

Análise Crítica – Resistência

Alguns filmes nos ganham não por terem uma trama inovadora, mas pela construção visual de seu universo e o espetáculo que ele proporciona. Os filmes de James Cameron (como a franquia Avatar) certamente se encaixam nessa categoria, assim como os filmes do John Wick. Resistência, novo filme de Gareth Edwards (de Godzilla e Rogue One), quase se encaixa nessa categoria se sua trama não fosse tão aderente a clichês ao ponto de se tornar entediante e suas pretensões de discutir noções de pós humanismo não fossem tão simplórias.

A trama se passa em um futuro no qual a humanidade desenvolveu robótica muito cedo e inteligências artificiais viviam entre nós desde a segunda metade do século XX. Quando uma bomba nuclear explode em Los Angeles, a humanidade declara guerra às IAs, que se concentram no sul da Ásia devotadas à figura de Nirmata, o seu criador. Joshua (John David Washington) é um militar dos Estados Unidos colocado para se infiltrar em linhas inimigas e descobrir a identidade de Nirmata, mas acaba se apaixonando por Maya (Gemma Chan). Maya é morta em um ataque dos EUA e Joshua deixa o serviço. Isso até o exército lhe mostrar imagens de que Maya poderia estar viva, pedindo ao soldado que volte ao Vietnã não apenas para localizar Maya, mas para encontrar uma suposta arma poderosa criada por Nirmata que poderia destruir o sistema de defesa dos EUA. A tal arma, porém, se revela como Alphie (Madeleine Yuna Voyles), uma criança híbrida entre humano e IA.

O que mais chama atenção em Resistência é o universo que Edwards cria aqui, que soa simultaneamente futurista e contemporâneo. Construções hiper tecnológicas e robôs avançados se misturam às paisagens urbanas e rurais de países como Vietnã, Camboja e Indonésia, lugares raramente usados em ficção científica hollywoodiana, para criar um universo bastante singular, que chama a nossa atenção a cada tomada. É também um universo que soa devidamente vivido, que existe organicamente ao invés de ser mero cenário para servir de fundo para as ações do protagonista. É o tipo de criação que Hollywood vem tentado fazer constantemente nos últimos anos e raramente consegue.

Nesse sentido chama atenção o custo do filme. Feito com 80 milhões de dólares, Resistência é mais estimulante visualmente do que muitos blockbusters que custam o triplo desse valor. Parte do motivo dos visuais funcionarem tão bem provavelmente se deve ao fato de Edwards ter filmado muita coisa em locação ao invés de precisar criar seus espaços do zero em fundos verdes. O fato das paisagens serem reais ajuda a dar um senso maior de concretude para os prédios e robôs futuristas inseridos nele (sem falar que dá à equipe de efeitos visuais mais referências sobre com a luz e outros elementos visuais se comportam naquele espaço ao invés de ter que supor ou criar isso do zero).

É uma pena que toda essa cuidadosa construção de mundo esteja a serviço de uma trama tão esquemática e previsível. Joshua é o típico soldado desencantado que embarca em uma última missão e acaba redescobrindo a própria humanidade ao proteger uma criança inocente. Não tem uma batida da história que não seja possível prever com bastante antecedência e mesmo as grandes reviravoltas, como a identidade de Nirmata ou a origem de Alphie, são extremamente previsíveis ao ponto em que o filme se torna um entediante exercício de paciência conforme esperamos a trama alcançar um desdobramento que já prevemos tempos atrás. Nada na condução da trama consegue nos colocar em suspense, desafiar nossas percepções ou subverter nossas expectativas, sendo tudo previsível ao extremo.

Outro problema é o modo como o texto conduz toda a questão da relação entre humanidade e inteligência artificial. A cibercultura já discute essas ideias de trans humanismo, pós humanismo, devir cibernético e devir ciborgue há décadas. São ideias complexas que inevitavelmente tocam em questões existenciais, naquilo que entendemos como vida ou consciência e que não é fácil de dar respostas plenas ou definitivas. Ainda assim o filme opta por um maniqueísmo rasteiro de tratar as IAs como uma evolução natural e não produz nenhuma discussão sobre isso. Essa abordagem simplória soa ainda mais problemática no contexto atual em que discutimos o uso da IA para precarizar o trabalhador (inclusive profissionais do audiovisual e outras indústrias criativas), para erodir a democracia e uma série de outros fins espúrios.

Resistência impressiona por sua inventividade visual e desenho de produção, mas sua trama excessivamente esquemática infelizmente tornam tudo entediante.

 

Nota: 5/10


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