segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Crítica – True Detective: Terra Noturna

 

Análise Crítica – True Detective: Terra Noturna

Review – True Detective: Terra Noturna
Primeira temporada sem o criador original, Nic Pizzolatto, True Detective: Terra Noturna colocava em questão se a série conseguiria seguir com outra mente criativa, já que era o olhar de Pizzolatto que trazia muito da personalidade da série. Conduzida por Issa López, esse quarto ano se desloca para as paisagens geladas do Alasca e continua a apresentar o tipo de trama sombria e fatalista pelas quais a série se tornou conhecida.

A narrativa se passa em Ennis, pequena cidade ao norte do Alasca, no início do período do inverno em que a região fica trinta dias sem sol. Nessa noite perene a chefe de polícia Liz Danvers (Jodie Foster) é chamada para uma ocorrência na estação de pesquisa Tslal onde todos os cientistas desapareceram. Ao lado da patrulheira Evangeline Navarro (Kali Reis), Danvers descobre que os pesquisadores estão todos mortos, encontrados congelados e nus em posições bizarras no meio do nada a centenas de metros da estação. Ao curso da investigação a dupla encontra conexões entre a morte dos pesquisadores e o assassinato de Annie K, uma ativista ambiental indígena que foi morta anos atrás ao denunciar a poluição causada por uma mina da região. Poluição essa que só fez piorar nos anos seguintes.

A ambientação na noite perene do Alasca ajuda no clima soturno que a série tenta construir e funciona como um reflexo dos segredos e mentiras enterrados nas sombras daquela pequena cidade. A fotografia sombria, as paisagens geladas desoladas e algumas imagens macabras, como o bizarro diorama formado pelos cadáveres dos pesquisadores servem à impressão de que este é um ambiente hostil e estéril. Como em outras temporadas, há uma sensação de desencanto, de que tudo está sempre piorando e que não importa o que as autoridades ou cidadãos façam, estão lidando com forças tão poderosas e estruturas tão corrompidas que é impossível melhorar as coisas.

A música é outro elemento que serve à construção da atmosfera de mistério e de segredos tão sombrios que podem ser sobrenaturais. O tema de abertura, Bury a Friend, de Billie Eilish tem uma qualidade etérea que dá o tom do sentimento que existem forças além da compreensão agindo na noite perene de Ennis, assombrando as pessoas com seus erros do passado. A temporada usa música não original em arranjos que conferem uma sensação fantasmagórica que contribui para o sentimento de que esses personagens caminham por espaços assombrados, seja por suas próprias memorias e sentimento de culpa, seja por uma possível presença sobrenatural. Tudo soa como um pesadelo melancólico, um delírio induzido pela hipotermia, remetendo à música de Lera Lynn na segunda temporada que contribuía para fazer a narrativa soar como delírio febril.

Digo possível porque a narrativa trabalha de maneira ambígua e aberta a interpretação a presença concreta de algo sobrenatural. É possível que as visões de Navarro sejam de fato fruto de uma conexão sobrenatural ou também uma manifestação de suas culpas potencializada por um estado mental alterado por conta do frio extremo. Os símbolos em espiral que aparecem várias vezes ao longo da trama remetem à primeira temporada e a noção de horror cósmico trazida por ela. Tal como na primeira temporada, a narrativa apresenta esse horror como uma manifestação das ações humanas (a fita vista por Marty e Rust lá, as ações dos pesquisadores aqui), lembrando do nosso potencial para agir de maneira monstruosa e como o contato constante com esses horrores violentos destrói a sanidade de um indivíduo.

As duas protagonistas, por sinal, tem sua sanidade no limite por conta de anos de injustiça vivenciados em serviço, além de seus próprios traumas pessoais, ainda que lidem com isso de maneira diferente. Danvers tem uma postura mais cética e dura, preferindo se entorpecer com bebida e sexo a falar sobre tudo que a incomoda. Já Navarro parece tentar se conectar com esses traumas passados e recuperar as partes de si que deixou para trás, algo que representado por sua caminhada na neve no último episódio quando retoma seu nome indígena. As falas de Navarro sobre lidar com as vozes e as possibilidades de haver algo de metafísico naquele lugar são constantemente rechaçadas pelo ceticismo frio de Danvers, embora a chefe de polícia eventualmente passe a entender a perspectiva da colega.

O desfecho ainda traz um certo desencanto ao mostrar como as autoridades e poderes constituídos nada farão para combater as injustiças, em muito casos por terem se corrompido para as forças econômicas como as da mineradora que explora a cidade. Por outro lado, há uma ponta de esperança no senso de comunidade que Danvers e Navarro encontram em um grupo de mulheres que tomou para si a responsabilidade de fazer justiça por Annie K, compreendendo que por mais horrível que tenham sido suas ações, aquele era o único meio de punir os culpados.

É curioso que apesar de uma nova responsável criativa a série tenha tantas referências a temporadas anteriores. Nem sempre essas menções acrescentam muita coisa e às vezes soam como um apelo nostálgico raso. Por outro lado a condução de Issa López consegue se manter fiel ao espírito da série ao mesmo tempo em que acrescenta seu próprio olhar e uma perspectiva feminina a esse tipo de história que é habitualmente construída sob olhares masculinos. Assim, True Detective: Terra Noturna envolve pela sua atmosfera soturna, personagens atormentados e mistério instigante, mantendo o padrão que a série construiu para si.

 

Nota: 8/10


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