terça-feira, 19 de março de 2024

Crítica – A Batalha da Rua Maria Antônia

 

Análise Crítica – A Batalha da Rua Maria Antônia

Review – A Batalha da Rua Maria Antônia
Apesar do golpe militar de 1964 ter acontecido há sessenta anos e o Brasil ter se redemocratizado em 1988, ainda existem muitos fatos e eventos do período da ditadura que não são conhecidos pelo grande público. Embora certamente deva ser algo conhecido em São Paulo, os eventos narrados em A Batalha da Rua Maria Antônia não são o tipo de coisa que vemos nos livros de história (pelo menos não na minha época de colégio), mas são importantes para compreender como funcionava a violenta repressão do governo do período.

A narrativa se passa ao longo de um dia em outubro de 1968 durante a ocupação da Faculdade de Filosofia da USP pelo movimento estudantil e os confrontos dos estudantes com alunos da Mackenzie e de instituições repressoras. O filme se divide em 21 cenas, todas construídas como planos-sequência, para narrar o aumento das tensões e eventual invasão do prédio da USP pela polícia. No centro disso tudo está Lilian (Pâmela Germano), uma estudante de filosofia que não está envolvida diretamente com o movimento estudantil, mas decide ficar na ocupação para ajudar a amiga Ângela (Isamara Castilho) na esperança de conversar com ela e entender porque Ângela tem se afastado apesar das duas serem amigas de infância.

Todo filmado em película 16mm e fotografado em preto e branco, as imagens do filmes, somadas à decisão de construir as cenas como planos-sequência conferem um caráter de arquivo, como se estivéssemos diante de uma filmagem da época ou da memória de alguém sendo plasmada na tela. A estrutura sem cortes de cada cena confere energia e um senso de tensão crescente à trama conforme acompanhamos os múltiplos envolvidos na ocupação tentando encontrar uma maneira de lidar com a situação.

É uma construção complexa de encenação, com dezenas de figurantes em cena e muita coisa em movimento o tempo todo, coisas pegando fogo e brigas acontecendo ao fundo em alguns momentos. A logística de tudo isso certamente não deve ter sido fácil de gerir, mas vale a pena pela imersão que o resultado final confere, fazendo o espectador sentir como se estivesse transitando em meio a todo aquele caos.

O filme evita fazer retratos unidimensionais dos envolvidos no movimento estudantil, sempre tentando conferir diferentes camadas a esses personagens. De Lilian, que parece não se importar tanto assim com política e se envolve na situação por motivos pessoais, passando pelo líder estudantil Benjamin (Caio Horowicz) que é pragmático e bem intencionado, mas demonstra uma faceta ególatra, machista e preconceituosa quando contrariado. Isso ajuda a entender que o movimento estudantil não era algo monolítico e sim composto por vários interesses e visões de mundo. Os poucos momentos de respiro que a trama encontra em meio a toda a tensão servem para nos mostrar eles diferentes lados os personagens e o clima geral durante a ocupação, como na cena em que uma estudante toca Roda Viva ao violão.

Por outro lado, as vezes sinto que a trama está tão presa ao momento que falta uma contextualização para algumas coisas que estamos vendo. Se você já não tem conhecimento prévio da história, não há clareza do que exatamente estava em jogo na eleição que a UNE estava realizando ou que a batalha foi um dos eventos que fez a ditadura endurecer sua repressão instituindo o AI-5.

Claro, isso é um problema menor em uma produção tão eficiente em transmitir a energia e urgência do fato histórico narrado, funcionando como um importante lembrete de como não podemos cruzar os braços diante do autoritarismo e de como nunca passamos realmente a limpo o período da ditadura militar.


Esse texto faz parte de nossa cobertura do XIX Panorama Internacional Coisa de Cinema.


Trailer

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