sábado, 16 de março de 2024

Crítica – Eros

 

Análise Crítica – Eros

Review – Eros
Apesar de termos mais abertura para falar sobre isso, as discussões sobre sexo ainda encontram tabus nos meio social. O documentário Eros visa abrir uma conversa sobre isso, especificamente sobre o universo de motéis e o que atrai as pessoas para ir a um motel fazer sexo.

A produção retrata diferentes casais que frequentam motéis com filmagens feitas pelos próprios personagens. São imagens que retratam a experiências dessas pessoas nos motéis, conversas sobre relacionamentos, sexo ou o motivo de irem a locais como aquele com frequência e ocasionalmente até as próprias experiências sexuais dos personagens. Com casais de diferentes idades, sexualidades e fetiches, o filme tenta construir um panorama amplo da experiência das pessoas em motéis ao mesmo tempo em que busca pontos comuns.

Nesse sentido, as experiências retratadas nos fazem ver o motel como um lugar de realizar fantasias ou ter experiências que, em geral, não podemos ter em casa já que a maioria das pessoas não pode construir uma gruta artificial dentro de casa ou deixar o quarto todo equipado com artefatos de sadomasoquismo, um casal praticante de BDSM chega a comentar como seria pouco prático colocar em algum cômodo de casa os equipamentos que encontram no motel.

É também um espaço de certa segurança, como fica evidente na fala de um casal gay ou na de uma mulher trans, que lembram como sexualidades fora do espectro da heteronormatividade muitas vezes não tem opção de outro lugar para se relacionarem sem medo de serem alvo de preconceito além do motel. O depoimento de uma mulher trans inclusive traz uma fala muito forte a respeito de como é só ali que ela consegue se encontrar com o namorado e como isso a faz se sentir plena.

Por outro lado, o motel pode funcionar como o espaço para aplacar a solidão de algumas pessoas. O segmento com um homem de meia idade que chama uma prostituta apenas para conversar revela como o local é frequentado por pessoas profundamente solitárias que anseiam por um mínimo grau de conexão humana. A maneira como o sujeito descarrega toda a sua história de vida, seus traumas, seus problemas e dilemas para a prostituta revela alguém profundamente solitário e com dificuldades para lidar com os próprios sentimentos.

Como é um documentário que se divide em vários segmentos focados em personagens diferentes, seu funcionamento depende de encontrarem personagens interessantes que tenham histórias ou pontos de vista que sejam capazes de prender nossa atenção. Felizmente o filme encontra um plantel de personalidades pitorescas e motéis cujas suítes são exóticas o bastante para render boas histórias, transitando entre o humor, a emotividade e o espanto. Um exemplo é o casal evangélico que tenta argumentar biblicamente porque não há nada de errado com crentes frequentarem motel, revelando também o papel da religiosidade no tabu e no sentimento de culpa em torno do sexo, algo que também é discutido por um casal gay. Um “trisal” jovem se filma em um quarto de motel com uma espécie de confessionário cenográfico e eles se fantasiam de padres e freiras, interpretando diferentes fantasias sexuais.

Aqui e ali, no entanto, o filme esbarra em alguns personagens que não rendem tanto, em especial o sujeito do segmento final. O personagem primeiramente soa redundante porque ecoa as ideias do motel como espaço de solidão que o senhor que conversa com a prostituta já transmitia bem. Além disso o personagem parece menos interessado em falar de uma maneira sincera e direta sobre seus sentimentos e mais em demonstrar sua capacidade de performance, se apresentando em cenas claramente construídas em que recita textos prontos, soando forçado e artificial em contraste com os demais personagens que se apresentam diante das câmeras de maneira que parece menos planejada. Claro, em algum nível o simples fato de saber que está sendo filmado faz a pessoa modular sua conduta, mas há uma diferença entre adotar uma postura que considera melhor para ser visto em público (mesmo expondo suas intimidades como é o caso aqui) e construir toda uma performance de si que soa obviamente ensaiada e não natural.

Como as imagens são captadas pelos próprios personagens isso implica em algumas inconsistências. Com alguns segmentos com melhor qualidade de imagem e outros em que tudo é mais pixelizado ou filmado com o celular em posição vertical que limita o quadro. São imagens que revelam as condições de produção e como essas pessoas lidam, cada uma a seu modo, como o aparato. O problema, porém, acaba sendo o áudio, já que algumas cenas, por conta da reverberação e do ruído dos espaços, os diálogos são difíceis de entender e o filme se beneficiaria de legendas em momentos em que o som está mais “sujo”.

Ainda assim, Eros faz um retrato envolvente a respeito do que atrai as pessoas para o espaço do motel enquanto pondera sobre nossa relação com a sexualidade e os tabus que ainda existem.

Esse texto faz parte de nossa cobertura do XIX Panorama Internacional Coisa de Cinema

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