Esse debate sobre o que seria uma “arte negra” está no cerne do filme Ficção Americana. Embora a trama se passe nos Estados Unidos ele discute questões muito similares à fala Chimamanda Ngozi Adichie, criticando como a indústria cultural estadunidense reduz a experiência negra a essa história única. A trama segue Thelonious “Monk” Ellison (Jeffrey Wright), um escritor talentoso que não consegue vender seu novo livro para editoras. Sempre que submete a uma editora diferente recebe elogios por sua escrita, mas é criticado por não falar sobre “a experiência negra”, uma fala que o personagem considera duplamente problemática.
Primeiro porque o que os editores consideram como “experiência negra” consiste de uma visão reduzida que restringe a população afroamericana a narrativas sobre pobreza, drogas e criminalidade. Segundo porque implica que escritores negros e negras só seriam autorizados pela indústria cultural a escrever sobre questões de populações, restringindo sua liberdade criativa. Para revelar as hipocrisias do meio, Monk decide escrever o livro mais clichê, mais grosseiro e menos sofisticado sobre pessoas negras, contando uma história exagerada sobre viciados e criminosos na esperança que as editoras percebam o quanto isso é ruim. Para o desespero de Monk as editoras não apenas adoram o livro como até mesmo estúdios de cinema começam a batalhar pelos direitos de adaptação. Como o escritor está precisando de dinheiro por conta das despesas médicas da mãe, ele aceita publicar o livro, cujo sucesso cresce cada vez mais.
O filme mostra como produtores e editores brancos, alheios à realidade da população negra, tomam essas histórias como relatos crus de uma realidade brutal e movidos por uma sensação de culpa por conta das desigualdades e violência contra a população negra aceitam como obra prima qualquer história que confirme essa visão sobre os negros, independente do quanto essa obra seja ruim como no caso do livro de Monk. Uma conduta que, independente de partir de boas intenções, reduz a população negra a clichês racistas (pensem na Srta. Morello de Todo Mundo Odeia o Chris) A narrativa mostra como isso também está presente em produtores negros através da escritora Sintara (Issa Rae), que em uma conversa com Monk revela que conta histórias de pobreza e sofrimento porque sabe que esses livros vão vender bem.
A trama a respeito da relação de Monk com a família, cuidando da mãe com Alzheimer e lidando com a saída do armário do excêntrico irmão Clifford (Sterling K. Brown). A oposição entre os clichês do livro de Monk e a “realidade” dele com sua família de classe média serve para mostrar o quanto a dita “experiência negra” nos Estados Unidos é muito mais diversa, plural e rica do que os clichês que a indústria impõem e que, no fim das contas, acabam sendo mais uma forma de subjugação dessas populações, impedindo que elas ocupem qualquer outro lugar no imaginário coletivo além do marginalizado sofredor que é destruído pelas desigualdades do mundo ou que precisa de um esforço hercúleo para se elevar das dificuldades.
O filme, no entanto, aponta também que Monk é movido por um
certo elitismo, por uma aversão a qualquer coisa que é popular ou que saia de
certos ideais canônicos e eurocêntricos do que seria uma “boa literatura”. Esse
elitismo é abordado de maneira explícita na conversa com Sintara perto do final
e ajuda a entender como esse debate sobre representação é complexo, evitando
cair em certos extremos ou a reduzir tudo a maniqueísmos fáceis, fugindo de
tornar Sintara uma vilã ou alguém a ser antagonizada por Monk. O desfecho acaba
se alongando um pouco demais, o filme poderia acabar tranquilamente após do fade out da premiação já que o que vem
depois só repete as mesmas ideias de conformidade com a indústria cultural que
o filme tinha apresentado até então.
Nota: 8/10
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