A trama acompanha Cassandra Webb (Dakota Johnson) uma paramédica que desenvolve a capacidade de ver o futuro depois de um incidente de quase morte. Ela passa a ter visões com três garotas sendo assassinadas e quando as encontra no metrô decide protegê-las do perigoso Ezekiel Sims (Tahar Rahim). Assim, Cassie coloca as jovens Julia (Sydney Sweeney), Anya (Isabela Merced) e Mattie (Celeste O’Connor) sob sua proteção, já que elas estão destinadas a serem super-heroínas e Sims tem visões de que elas o matarão no futuro.
É impressionante como os personagens não conseguem aderir ao mínimo de verossimilhança de conduta humana, algo que fica evidente já nos primeiros minutos. Ao receber de uma criança um desenho como agradecimento por ter salvo sua família, Cassie adota uma atitude de “o que eu vou fazer com isso?” como se ela fosse completamente incapaz de entender o gesto do garoto. Imagino que a situação é construída para mostrar Cassie como uma pessoa solitária e isolada, mas mesmo alguém assim, pelo tempo que trabalha como socorrista, já teria aprendido a lidar com essa situação de maneira menos esquisita. É algo tão bizarro e Johnson age tão distante de um mínimo de humanidade que parece que ela está atuando em algo escrito e dirigido pelo Tommy Wiseau de The Room (2003).
Claro, ela não é a única cuja conduta não parece seguir qualquer lógica. Depois de serem deixadas por Cassie no meio do mato, Julia, Anya e Maddie decidem ir comer num restaurante de uma cidade próxima. A essa altura as três sabem que Sims quer matá-las, as está rastreando e que seus nomes e rostos saíram nos jornais, ainda assim o trio tem a brilhante ideia de dançar em cima do balcão do restaurante ao som de Britney Spears porque, bem, porque a trama precisava andar de algum modo e construir personagens consistentes dá muito trabalho.
O vilão Ezekiel Sims não é nada mais do que um obstáculo vazio, sendo reduzido a sua motivação de evitar a própria morte. Ouvimos o tempo todo ele dizer que não permitirá que as protagonistas ponham em risco tudo que ele construiu, mas o que é exatamente isso? Não sabemos, o filme nunca nos dá o que exatamente ele faz.
A ideia de um “Homem-Aranha do mal” perseguindo as heroínas devia ao menos fazer dele um vilão dotado de alguma tensão, já que as habilidades do personagem tem potencial para fazer dele um predador implacável. O problema é que as personagem sempre fogem dele com relativa facilidade quando o encontram ao invés de quase não conseguirem sobreviver, o que o torna um antagonista patético. Eu ria alto cada vez que ele era facilmente atropelado ou eletrocutado pelas heroínas, algo que claramente não era o efeito que o filme pretendia causar em mim. A batalha final inclusive é prejudicada pela inserção de uma marca de refrigerante que é citada com tão pouca sutileza que chega a ser cômico.
Falando em Homem-Aranha é curioso como o filme faz um esforço enorme para trazer elementos que remetem ao herói ao mesmo tempo em que simultaneamente evita citá-lo diretamente como o diabo evita uma cruz. É o tipo de coisa que você esperaria de uma produção pobre de uma produtora que não tem os direitos do personagem, mas não de um estúdio bilionário dono da propriedade intelectual em questão. Cassie e as garotas constantemente se referem a Sims como “pessoa aranha” ou “cara que anda em paredes” como se o primeiro instinto de alguém que vê um sujeito com esses poderes não fosse o de chamá-lo de “homem aranha”. O uniforme usado por Sims parece uma daquelas fantasias genéricas feitas por empresas que não querem pagar os direitos por um personagem e fazem algo que soe parecido ainda que legalmente distinto.
O colega paramédico de Cassie, Ben (Adam Scott, da série Ruptura), é obviamente uma versão jovem do tio Ben (a trama se passa em 2003) do Homem-Aranha, tanto que a irmã dele, Mary (Emma Roberts), está grávida. A cena em que Cassie vai ao chá de bebê de Mary apresenta um estranho jogo em que Mary pede que as convidadas adivinhem o nome de seu filho, uma brincadeira que só está ali para gerar expectativa que o nome Peter Parker seja dito, mas é tão óbvio e tão forçado que soa ridículo ao invés de instigante.
Tecnicamente o filme também é bastante problemático. Boa parte dos figurinos parece saído de uma série de televisão de baixíssimo orçamento, com o uniforme do vilão parecendo uma fantasia falsificada de Homem-Aranha que algum desavisado comprou pela internet e os figurinos do mítico povo las aranañas parecerem com trajes toscos de sadomasoquismo (pelo visual parece que a ideia era remeter a uma proto-versão do traje do Homem-Aranha, mas a execução ficou muito, muito ruim). Sim, eu sei que esse filme foi feito com um orçamento menor que filmes de heróis contemporâneos, tendo custado cerca de 80 milhões, mas este também foi o orçamento de Resistência (2023), indicado ao Oscar de efeitos visuais e que de fato é visualmente impressionante a despeito de seu baixo custo.
Além disso ele traz problemas técnicos que nenhuma produção hollywoodiana, mesmo as de baixo orçamento deveriam apresentar, como vozes dessincronizadas. Em algumas cenas do vilão é perceptível que os movimentos de sua boca não condizem com o que está sendo dito, como se sua voz tivesse sido redublada em pós produção. Se o estúdio decidiu mudar as falas do personagem a posteriori, porque não regravar as cenas? Eles acharam que ninguém perceberia essa discrepância grosseira? Imagino que a Sony tinha tão pouca fé nessa produção que preferiu deixar mal feito mesmo a gastar mais dinheiro trazendo equipe e elenco de volta para refilmagens, o que demonstra como esse filme não é nada mais do que um produto cínico de estúdio.
Apesar dos personagens repetirem como é o destino de Julia, Anya e Mattie se tornarem heroínas, nunca as vemos de fato ganhar poderes e as imagens delas em uniforme nos trailers são de breves visões de Cassie, como que inseridas no filme só para que pudessem constar nos trailers. Tudo isso é empurrado para possíveis continuações porque hoje Hollywood não faz nenhum filme se não for para extrair dezenas de continuações e derivados até ninguém aguentar mais. Assim, Madame Teia soa menos como um filme e mais como um trailer de duas horas para uma série de filmes do “aranhaverso” que Sony espera desenvolver, mas que provavelmente nunca verão a luz do dia dado o fracasso deste filme.
Incompetente, estúpido, cínico, sem sentido e em geral um
acinte contra o cinema Madame Teia é
tão ruim que se torna hilário e isso é a única coisa que evita que essa
produção extremamente pedestre seja um tédio.
Nota: 2/10
Trailer
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