sexta-feira, 22 de março de 2024

Crítica – Not Dead

 

Resenha Crítica – Not Dead

Review – Not Dead
Quando falamos em música em Salvador normalmente pensamos em axé music, mas o cenário musical da cidade é muito mais diverso que isso e o documentário Not Dead visa falar de uma das formas musicais que teve (e tem) uma presença na cidade que é o punk rock. Como alguém que viveu praticamente a vida toda em Salvador, achei interessante conhecer um aspecto da vida cultural da cidade que é pouco falado e pouco visto nas representações midiáticas.

O filme segue um grupo de pessoas influentes no surgimento da cena punk em Salvador nos anos 80, contando sobre a criação da loja Not Dead, que vendia roupas e mercadorias com estética punk e servia como um espaço para congregar a cultura punk em Salvador. A partir disso ele nos mostra como está a cena punk hoje, as bandas que surgiram naquela época que ainda estão ativas e como a ideologia punk transformou a vida dos envolvidos mesmo aqueles que não seguem diretamente engajados na cena punk soteropolitana hoje.

É um registro importante mostrar esse nicho cultural que pouco é conhecido e resgatar a memória de um dos principais locais de encontro desse grupo. Nas conversas com os personagens eles falam a respeito de como o contato com esse modo de pensar ajudou na sua formação política, na construção de uma consciência de classe e de uma atitude proativa que levaram para o resto da vida. Em paralelo, o filme acompanha Ed, um homem cego e uma das figuras importantes da cena punk que ajuda no roteiro de audiodescrição do filme. Esses segmentos não necessariamente se conectam diretamente com a temática principal da produção, mas trazem visibilidade para um aspecto pouco discutido do audiovisual e das técnicas de acessibilidade disponíveis hoje.

O documentário se estrutura em entrevistas e imagens de shows contemporâneos da cena punk de Salvador, adotando uma estrutura bem típica de documentários sobre música. Considerando a temática, é uma pena que a produção não tente incorporar o punk também em sua forma e não apenas no conteúdo. São poucos os momentos em que a estética do filme se permite sair do convencional para demonstrar essa atitude punk. Um exemplo é a cena em que um dos personagens fala sobre a dificuldade de vencer o sistema, ouvimos uma voz atrás das câmeras gritar “corta!” e o sujeito filmado responde “você pode cortar, mas eu vou continuar falando”. Trazer mais dessas “impurezas” e “fissuras” da imagem documental ajudaria a sair um pouco do formato convencional no qual a produção se estrutura.

Senti também falta do uso de arquivo, principalmente quando os personagens falam do passado. Conforme os sujeitos filmados narravam os eventos de música punk ou a atmosfera da loja Not Dead fiquei curioso em ver como eram esses espaços e a dinâmica desses eventos ou os fanzines produzidos pelas pessoas. Infelizmente a produção não traz qualquer fotografia ou filmagem desse passado narrado. Claro, é possível que não tivesse arquivo disponível, mas nesse caso seria importante comunicar isso ao espectador, afinal a ausência de preservação de memória também diz muito sobre uma determinada vivência.

Ainda assim, Not Dead vale a experiência por resgatar um aspecto da vida cultural de Salvador que é pouco conhecido, dando visibilidade a esse nicho cultural e também lembrando da importância da cultura e visão política do movimento punk.

Esse texto faz parte de nossa cobertura do XIX Panorama Internacional Coisa de Cinema.

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