sexta-feira, 15 de março de 2024

Crítica – Saudade Fez Morada Aqui Dentro

 

Análise Crítica – Saudade Fez Morada Aqui Dentro

Review – Saudade Fez Morada Aqui Dentro
Histórias sobre amadurecimento e adolescência são comuns no cinema. É uma fase de transição em que o jovem começa a perceber as complexidades da vida adulta e desapegar de uma série de noções infantis sobre o mundo. Saudade Fez Morada Aqui Dentro trata exatamente sobre essa transição e o senso de certas perdas irreversíveis que vem nesse momento da vida.

A trama é centrada em Bruno (Bruno Jefferson), um adolescente de 15 anos do interior da Bahia que descobre uma doença degenerativa que o fará perder a visão. Ciente das dificuldades que virão, o garoto tenta aproveitar o tempo em que ainda consegue enxergar ao mesmo tempo em que tenta se preparar para o futuro. Ele contará com a ajuda do irmão Ronny (Ronnaldy Gomes) e da colega de escola Angela (Angela Maria).

A narrativa segue o cotidiano de Bruno enquanto ele tenta manter um senso de normalidade a despeito do risco de perder a visão a qualquer momento. Seguimos o personagem na escola, em festas, enquanto brinca com os amigos ou pratica seus desenhos, talvez a habilidade que ele mais tema perder por conta de seu problema de visão. É uma espécie de luto em vida experimentado por Bruno, já que ele ainda não perdeu a visão, mas já lida com a dor de ter que se despedir de sonhos e desejos futuros do que ele poderia ser.

Ainda assim a narrativa nunca reduz o personagem ao seu sofrimento, exibindo os momentos de riso ao lado do irmão, as festas da vizinhança e a amizade com Ângela e Terena (Terena França). Há uma química muito sincera entre esse elenco jovem, que fala e se comporta de maneira bem genuína como adolescentes do interior da Bahia. Esses momentos permitem ver Bruno sem o peso da perdição eminente sobre seus ombros e como ele possui uma rede de apoio ao seu lado que será importante quando a crise chegar. Como quase tudo é filmado com câmera na mão, temos a impressão de que estamos seguindo esses personagens no seu cotidiano e sendo parte de suas vidas.

É uma trama que também lida com preconceito. De um lado há o preconceito e despreparo do sistema educacional para dar suporte a alunos com necessidades especiais, com a reunião da mãe de Bruno na escola para explicar o problema revelando como boa parte do corpo docente resiste em ter o garoto na escola, recorrendo inclusive ao argumento de que Bruno atrasaria os demais estudantes. Bruno lida com seus próprios preconceitos ao começar a ouvir boatos de que Ângela e Terena estariam namorando, tentando negar isso, apesar de ser visível nas interações entre as duas, e até interferindo na relação delas. Curiosamente é só quando a cegueira de fato chega e ele experimenta como é se sentir excluído que ele passa a repensar as atitudes.

A paisagem sonora do filme acaba sendo um elemento importante principalmente em sua segunda metade quando várias cenas nos colocam no ponto de escuta de Bruno e ele passa a usar o som para se situar nos espaços. Com isso os sons ambientes trazem uma camada complexa de ruídos, nos fazendo perceber os vários sons ao redor do personagem, de uma moto passando perto dele, aos sons de animais se aproximando quando ele se vê sozinho em um local remoto, além de sons de pássaros, de vento e das diferentes superfícies pelas quais ele tateia.

A mudança na vida do personagem é tratada com bastante sensibilidade, reconhecendo que uma parte dele se perdeu para sempre, mas ponderando que isso não o torna uma pessoa incompleta. Tal como as mudanças da própria adolescência, é um arco agridoce sobre como o amadurecimento nos faz deixar certas coisas para trás ao mesmo tempo em que construímos novos rumos para nossa vida. É algo também presente no arco de Ângela, que perde alguém de quem gostava muito, mas se vê feliz pelo relacionamento tê-la ajudado a se compreender melhor.

Esse texto faz parte de nossa cobertura do XIX Panorama Internacional Coisa de Cinema


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