quarta-feira, 17 de abril de 2024

Crítica – O Túnel de Pombos

 

Análise Crítica – O Túnel de Pombos

Review – O Túnel de Pombos
Dirigido por Erroll Morris (responsável pelo seminal A Tênue Linha da Morte), o documentário O Túnel de Pombos é uma longa conversa com o elusivo escritor de romances de espionagem John Le Carré, pseudônimo de David Cornwell. Carré sempre foi uma figura reservada, não falando muito sobre sua vida pessoal, seu trabalho na inteligência britânica ou suas inspirações para seus romances, mas nesta conversa com Morris, filmada um ano antes de sua morte, ele se abre sobre vários desses aspectos.

O filme todo é estruturado ao redor das várias conversas que Morris filmou com Carré, sem outras fontes ou outros entrevistados além do próprio escritor. Interessa mais a Morris ouvir Carré e inquiri-lo a respeito de sua perspectiva pessoal acerca de sua trajetória ou das inspirações de sua obra do que ter outros falando, inclusive porque é tão raro que o autor aceite se abrir.

Apesar de ser basicamente uma longa entrevista o filme nunca fica monótono graças à montagem empregada por Morris, que alterna entre cenas de Carré falando, imagens de arquivo que ilustram certos eventos narrados por ele, cenas de filmes inspirados em seus livros que mostram certos paralelos entre as obras e momentos ou sentimentos do autor, além de algumas cenas encenadas por atores (algo típico do cinema de Morris). Esses momentos de encenação tentam deixar o espectador imerso na subjetividade de Carré, menos interessados em precisão factual e mais em como o entrevistado enxergou ou analisou um determinado evento de sua vida.

Vida, por sinal, que foi bastante movimentada. Além da montagem a própria trajetória do escritor é em si um elemento bastante envolvente. Criado por um pai que vivia de pequenos e uma mãe ausente, Carré narra o percurso de infância e adolescência que o fez perceber o quanto a conduta do pai era nociva e as tentativas de encontrar a mãe. Ao mesmo tempo, Carré reconhece que crescer nesse ambiente de trapaça e dissimulação foi essencial para seu futuro como oficial da inteligência britânica e também como romancista.

Ao examinar seu trabalho para a inteligência britânica, Carré narra seu crescente desencanto com a geopolítica da Guerra Fria e como o período que passou em uma Alemanha dividida, testemunhando a construção do muro de Berlim o motivou a escrever O Espião Que Saiu do Frio no qual constrói uma visão menos glamourizada sobre o mundo da espionagem em relação ao que a ficção da época narrava (notadamente os romances e filmes de James Bond), mostrando como a espionagem ocidental era moralmente questionável e inconsistente com os valores democráticos que diziam defender. O autor inclusive diz se arrepender que seus livros façam a inteligência britânica parecer mais eficiente do que realmente era na época em que serviu.

Apesar de falar abertamente sobre seu trabalho como oficial de inteligência e do seu processo de escrita, detalhando como cria seus personagens e estrutura suas tramas, ainda assim Carré se mostra resguardado sobre outros aspectos de sua vida, falando apenas rapidamente sobre seus relacionamentos e dizendo não ter muito interesse em falar sobre isso. A impressão é que ele está mais no controle do processo de entrevista do que o próprio Morris, dando mais o ritmo e direcionamento do que o diretor. Se o processo de filmagem foi de fato assim ou se Morris montou o filme para dar essa impressão é difícil saber, mas, de certa forma, isso contribui para a mística em torno de Carré e a aura elusiva que o escritor criou em torno de si.

Assim, ainda que Morris pareça confortável em usar seus expedientes de sempre na sua estrutura documental, O Túnel de Pombos envolve graças ao ritmo que a montagem confere à narrativa e à própria trajetória peculiar que o John Le Carré narra.

 

Nota: 7/10


Trailer

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