A trama é protagonizada por Adam (Andrew Scott), um escritor que aparentemente é a única pessoa morando em um alto prédio de habitação popular. O único outro morador que ele parece encontrar no local é Harry (Paul Mescal) e ambos começam a conversar. Com o tempo, Harry demonstra interesse em Adam, mas o escritor passa seu tempo revisitando a casa que cresceu na infância, tentando escrever um roteiro de cunho autobiográfico a respeito de sua relação com os pais falecidos. Em uma dessas idas, nas quais o trem funciona como uma máquina do tempo, ele encontra o pai (Jamie Bell) em uma loja de conveniência e vai jantar com ele e a mãe (Claire Foy), como se nada tivesse acontecido. Ele passa a dividir seu tempo entre os pais e Harry, mas esses mundos não demonstram facilidade em coexistir.
É curioso que Haigh tenha escalado atores mais jovens que o protagonista para viverem os pais dele, numa decisão deliberada de mostrar como os pais pararam no tempo enquanto que Adam continuou. Essa escolha reforça o peso da ausência deles na vida do protagonista, já que morreram décadas atrás, ao mesmo tempo em que revela como o próprio Adam se apega ao passado e prefere viver nele ao invés de atentar para seu presente, como a relação com Harry.
Claro, é compreensível que Adam, tendo perdido os pais tão jovem se questione como seria sua relação com eles depois, se eles o aceitariam por ser gay e que tipo de conversas eles teriam como adulto. Por outro passar tanto tempo tentando reconstruir ou reparar algo que não tem volta o deixa estagnado, preso a essa fase infantil de dependência dos pais, impedindo-o de dar novos rumos à sua vida. Não é a toa que a cena de Adam com os pais em que eles pedem ao filho que os deixe é tão tocante. Desde o início os pais tem ciência (ainda que não digam) que estão mortos, mas aqui eles finalmente dizem em voz alta que o filho precisa deixá-los. Tanto Bell quanto Foy trazem a dor que isso aflige ao casal, mas ambos investem o gesto de um afeto genuíno, demonstrando que por mais doloroso que seja eles sabem que isso é o melhor para Adam.
Do mesmo modo Andrew Scott revela o apego de Adam ao seu passado e como ele, apesar das décadas, ainda não superou o luto, tentando argumentar e racionalizar com os pais para manterem contato. O trabalho de Scott nos faz sentir como é difícil se desapegar e confrontar o real vazio deixado por essas ausências. Aliás, a construção de planos contribui bastante para ressaltar a solidão de Adam, com planos mais abertos com o personagem sozinho em quadro, mostrando o vazio ao seu redor no apartamento ou em outros espaços nos quais ele transita.
O filme constrói um universo tão vazio que parece que apenas Adam e Harry existem nele e que a companhia um do outro é a única coisa que impede esse universo de se dissolver éter, como se a solidão de ambos encontrasse paz um no outro. Nesse sentido, apesar de trazer certa sensualidade a Harry, Paul Mescal também traz uma enorme vulnerabilidade em seu olhar, como se Harry estivesse constantemente sob a dor de uma ferida aberta e mesmo em momentos de felicidade há uma dor latente sempre o acompanhando (algo que ele fez muito bem em Aftersun).
Essa sutileza no modo como acompanha as dores dos personagens e como certas conversas aparentemente descompromissadas revelam os conflitos internos deles, como no momento em que Adam e Harry discutem se queer ou gay são termos melhores, só contribui para o impacto dos momentos em que a trama os coloca para confrontarem seus problemas emocionais. Isso porque sentimos como essas questões estão entranhadas neles e lidar com isso é quase como arrancar uma parte de si e se analisar sem todos os subterfúgios que criaram para se manterem seguros e distantes dessas verdades doloridas.
Com um eficiente senso de isolamento, Todos Nós Desconhecidos trabalha com sensibilidade o anseio de
conexão de seu protagonista, se movendo entre passado e presente para tentar se
sentir compreendido.
Nota: 8/10
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