segunda-feira, 29 de abril de 2024

Crítica – Xógum: A Gloriosa Saga do Japão

 

Análise Crítica – Xógum: A Gloriosa Saga do Japão

Review – Xógum: A Gloriosa Saga do Japão
Adaptando o romance homônimo de James Clavell, a minissérie Xógum: A Gloriosa Saga do Japão se baseia em eventos históricos da ascensão de Ieyasu Tokugawa à posição xógum, iniciando o período do xogunato que iria até a Restauração Meiji. Os trailers davam a impressão de uma trama tensa, cheia de intrigas e o produto final faz jus a essa promessa. Aviso que o texto pode conter SPOILERS da série.

A trama é centrada na figura de Yoshii Toranaga (Hiroyuki Sanada), inspirado na figura real de Tokugawa. Toranaga é membro de uma família nobre japonesa que poderia tomar o poder se quisesse, mas preferiu abdicar da posição. Como o herdeiro atual é uma criança, caberia a ele a posição de regente, mas ele crê que isso poderia enfraquecer a liderança do país e ao invés de um único regente o Japão passa a ser governado por um conselho de regentes. Esses conselheiros estão em constante disputa por poder e temem principalmente Toranaga.

O tabuleiro da disputa se complica com a chegada de John Blackthorne (Cosmo Jarvis). Inspirado na figura real do navegador escocês William Adams que serviu como samurai na corte de Tokugawa, o britânico Blackthorne chega ao Japão buscando ampliar a presença britânica na região e enfraquecer os portugueses. Para isso, ele vê em Toranaga um aliado.  Além de Toranaga, Blackthorne também se aproxima de Mariko (Anna Sawai, de Monarch:Legado de Monstros) que inicialmente serve como sua tradutora na corte de Toranaga, mas eles logo se aproximam.

A série apresenta com complexidade o panorama político do Japão no período, construindo cuidadosamente as tensões e rancores entre as várias famílias que lutam pelo poder, bem como o clima de hostilidade latente entre os nobres japoneses mais nacionalistas e os católicos, alinhados com os portugueses que visavam consolidar sua posição no país. Nesse sentido, a minissérie remete a Game of Thrones e sua dinâmica de traições e mortes, mas sem os desfechos decepcionantes.

Aqui temos também a sensação de que ninguém está seguro, que o tabuleiro da guerra pode mudar a qualquer momento, seja por um ardil bem engendrado, por uma súbita e violenta traição, como o momento que um dos herdeiros de Toranaga executa com canhões o mensageiro de uma família rival, ou de um desastre fortuito, como o samurai que escorrega, bate a cabeça e morre durante uma tentativa de assassinato. Sempre temos a presença de múltiplos agentes maquinando e tramando a eliminação de seus opositores e a série acerta ao evitar maniqueísmos simples, sempre dando aos personagens motivações consistentes por suas decisões ou guinadas de alianças.

O foco, porém, repousa no trio Toranaga, Mariko e Blackthorne. Hiroyuki Sanada faz de Toranaga um sujeito astuto e de poucas palavras, alguém que sempre está vários passos a frente de seus adversários e parece ter uma visão analítica precisa do tabuleiro político. Sanada também dá ao lorde um ar de mistério e um semblante inescrutável que sempre nos deixa incertos de sua motivação ou se há alguma razão que ele oculta de nós. Isso fica bem evidente perto do final, quando ele decide se entregar ao conselho e a todo momento nos perguntamos se de fato desistiu ou se tudo faz parte de um complexo ardil para derrubar seus inimigos.

Mariko se revela como a personagem mais interessante da série. Uma nobre de família desonrada que tenta de algum modo conseguir justiça para seu sobrenome, uma esposa frustrada forçada a casar com um homem que despreza, uma serva leal de Toranaga, católica devota e uma mulher que tenta, de alguma maneira, ter controle sobre o próprio destino mesmo em um ambiente tão duramente patriarcal como o seu.

Essa luta por autonomia atinge o ápice no penúltimo episódio quando ela escolhe o sacrifício ao invés de se tornar refém do conselho. Claro, em parte ela faz isso porque era parte do plano de Toranaga, mas ela também o faz por si mesma, pelo desejo de se juntar a família na morte e derrubar o conselho de regentes. Ela o faz por resistir ao que lhe foi imposto e para tomar as rédeas da própria vida, mesmo que seja para escolher morrer. É uma decisão que mesmo o estrangeiro Blackthorne compreende, mostrando o quanto ele ama Mariko e respeita suas escolhas que ele se voluntarie para auxiliá-la em sua tentativa de seppuku mesmo discordando de sua decisão e desejando que ela viva. Aliás, Blackthorne acaba sendo o menos interessante do trio principal, em parte pelo trabalho apático de Cosmo Jarvis, mas Toranaga e Mariko são personagens tão fascinantes que isso acaba sendo um incômodo menor.

O episódio final pode decepcionar alguns que esperavam uma grande batalha entre Toranaga e Ishido (Takehiro Ira), mas é coerente com o que a série construiu até então. Toranaga sempre foi desenvolvido como um sujeito astuto, mais afeito a manipular as pessoas ao seu redor do que recorrer à violência direta, preferindo ardis sutis e o uso da influência política, então não deveria causar estranhamento que ele tenha dado um xeque-mate no oponente ganhando a batalha antes que os exércitos começassem a marchar. O desfecho ressalta a habilidade do lorde como um exímio manipulador, conseguindo tudo que desejava sem precisar desembainhar sua espada. Com a disputa pelo poder resolvida, a série pode abrir espaço para momentos mais contemplativos em que pode oferecer desfechos para as jornadas emocionais de seus personagens.

Um exemplo é a cena entre Blackthorne e Fuji (Moeka Hoshi) na qual ele a ensina sobre o costume ocidental de espalhar as cinzas de entes queridos e a ajuda a despejar as cinzas de sua família no mar. O momento não apenas simboliza o fim do período de luto de Fuji antes de partir para se tornar freira e Blackthorne finalmente ficando em paz com a morte de Mariko, mas também ressalta a transformação do inglês, que deixou de lado sua guerra com os portugueses para abraçar aquele povo e aquele modo de vida, aceitando que sua jornada foi para se conectar com aquele lugar. De modo semelhante vemos Toranaga finalmente se abrir em sua conversa final com o escorregadio Yabushige (Tadanobu Asano). Antes de executá-lo Toranaga finalmente admite que sempre quis ser xógum e todas as suas ações desde a formação do conselho de regentes foi organizar os eventos para isso. A admissão mostra a extensão da astúcia do personagem e sua capacidade de guardar seus planos para si de modo a manipular os outros.

Com uma tensa construção da intriga e personagens complexos, Xógum: A Gloriosa Saga do Japão entrega um intenso drama político inspirado em eventos reais da história japonesa. A minissérie dá conta de todo o romance de James Clavell e, apesar de deixar possibilidade para que a história continue, é tudo tão bem amarrado que prefiro que termine aqui do que arriscar se alongar e perder a qualidade.

 

Nota: 9/10


Trailer

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