quinta-feira, 23 de maio de 2024

Crítica – Feud: Capote vs the Swans

 

Análise Crítica – Feud: Capote vs the Swans

Review – Feud: Capote vs the Swans
Se em sua primeira temporada Feud contou a história dos anos de divergência entre Bette Davis e Joan Crawford, esse segundo ano resgata uma briga que mexeu com a alta sociedade nova-iorquina da década de 70 por conta da briga pública entre o escritor Truman Capote e um grupo de mulheres da alta sociedade da qual ele era amigo e denominava como suas “cisnes”.

A trama começa quando Capote (Tom Hollander) publica o conto La Côte Basque 1965 na revista Esquire. O conto seria parte de Súplicas Atendidas, um romance que o escritor estaria produzindo baseado em histórias que ouvia nas altas rodas da sociedade. O conto expunha várias indiscrições e boatos de membros da elite que, embora tivessem seus nomes modificados por Truman Capote, ainda eram facilmente identificáveis. A exposição de casos extraconjugais e outros escândalos levaram as “cisnes” a romperem relações com Capote e o excluírem de eventos da alta sociedade, levando o escritor ao ostracismo e paralisando sua carreira.

De início pensei que a trama se resumiria ao clichê do artista que sofre por sua arte, com Truman tendo dificuldades em continuar escrevendo Súplicas Atendidas por ter sido vilipendiado pela mesma alta sociedade na qual buscava aprovação e por não conseguir o perdão de Babe (Naomi Watts) a sua mais amada cisne. De certa forma a série é sobre isso e como toda a briga impactou a carreira de Truman, mas ele e as demais personagens tem camadas o bastante para que a narrativa não reduza ninguém a clichês unidimensionais.

Truman é construído como um sujeito arguto e espirituoso que aprecia ser visto como o sujeito mais inteligente no recinto, mas que pode ser extremamente malicioso e venenoso com seus desafetos. Ele também é marcado por um complexo de inferioridade e uma necessidade de ser aceito que vem de problemas passados de sua relação com a mãe, que o rejeitava por ser gay. Se por um lado entendemos como contar as histórias das cisnes seria irresistível para um observador afiado como Truman e que aquelas mulheres de fato são hipócritas, por outro Truman tinha um afeto genuíno por essas mulheres e se manter brigado com elas por anos realmente mexe com ele.

Nesse sentido, a série examina isso como parte de uma conduta autodestrutiva de Truman, como se, por conta de seus traumas passados, ele sempre se julgasse indigno de afeto e sempre tentasse se sabotar e sabotar seus relacionamentos, sempre recorrendo a palavras venenosas para afastar as pessoas. É como se toda vez que ele sentisse que está sendo rejeitado Truman imediatamente se tornasse agressivo, tentando acelerar o processo de afastamento numa tentativa de tentar se magoar menos e de, na própria cabeça, ser aquele que rejeitou ao invés de ser o rejeitado.

O sentimento de rejeição de Truman em relação às suas cisnes, inclusive, não é injustificado. Sim, elas saem com ele, riem com ele e o tem como um confidente, mas é bem perceptível que elas nunca o enxergam plenamente como um igual, seja por conta da origem social dele, seja por conta de sua sexualidade. Elas tratavam Capote como um “gay chaveirinho” que é útil para diverti-las, para acalentar suas mágoas com os maridos, para que pudessem pagar de progressistas sem fazer qualquer ativismo real, mas descartável como um funcionário quando ele não serve o propósito que elas querem. Em uma cena Capote conversa com o escritor James Baldwin (Chris Chalk) que seus namorados nunca eram chamados para os eventos da alta sociedade porque anfitriãs como Babe achavam que eram “muitos gays”.

As cisnes também nunca são reduzidas a suas hipocrisias, sendo tratadas como mulheres que de algum jeito estavam presas a certos papeis sociais esperados de mulheres em suas posições e sofriam para manter essas fachadas ainda que também apreciassem o luxo do qual são rodeadas. Babe, por exemplo, precisa sempre manter a fachada de dama perfeita não importa o quanto sua relação com o marido ou com os filhos seja ruim. C.Z (Chloe Sevigny) claramente desejava uma vida de mais aventura e liberdade do que a existência de jardinagem e jantares que era esperada dela. Isso, no entanto, não impede que a série as critique por sua superficialidade e elitismo, pelo modo como elas se permitem ser definidas por sua riqueza ao invés de construir uma personalidade própria. O próprio Truman chega a dizer em um dado momento que as vidas delas são interessantes, mas que elas em si não tem nada digno de nota.

Pressões sociais também são o elemento que mantem o afastamento entre Babe e Truman perdurando. Apesar de o escritor buscar retomar o contato com ela ao longo dos anos e Babe desejar fazer as pazes com Truman, principalmente quando o câncer dela se agrava, as tentativas são constantemente bloqueadas pelo marido de Babe ou por amigas como Slim (Diane Lane) ou Lee (Calista Flockhart). A rivalidade deixa de ser menos por um sentimento de ofensa pessoal e mais como uma questão de classe, da alta sociedade querendo mostrar ao mundo que não tolerariam que ninguém os criticasse ou os retratasse como pessoas falhas. A noção de que ambos queriam se reaproximar é reforçada nos momentos finais dos dois, em que eles se imaginam juntos novamente ao se verem às portas da morte.

Para além da complexidade da construção de personagem, a série envolve também pela construção. Um dos episódios mais interessantes é o terceiro, todo feito como se fosse um documentário observativo produzido pelos irmãos Maysles, ícones do cinema direto estadunidense. Embora os Maysles tenham, de fato, realizado um curta documental sobre Truman Capote em 1966, a produção não foi sobre o baile que ele organizou naquele ano como mostrado na série. A lógica de documentário observativo permite à trama mostrar as fissuras nas personas públicas daquelas pessoas, de como elas tentam ocultar da câmera aspectos que não querem ou projetar uma imagem de perfeição que não existe.

A narrativa acerta também em nos mergulhar na subjetividade desses personagens, principalmente na de Truman. Em vários segmentos nos quais o vemos em conversas imaginárias com a mãe morta entendemos como seus traumas passados impactam no presente e como essa voz em sua cabeça estimula seu sentimento de inadequação ou suas atitudes de rechaço.

Assim, Feud: Capote vs The Swans produz um sensível estudo de personagem que analisa o que motivou a cisão do escritor com suas “musas”, bem como as consequências de seu ostracismo e a ação dos mecanismos sociais que o mantiveram como um pária.

 

Nota: 8/10


Trailer

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