sexta-feira, 24 de maio de 2024

Crítica – O Dublê

Análise Crítica – O Dublê


Review – O Dublê
Tenho uma vaga memória de assistir a série Duro na Queda quando passava na TV aberta. Estrelada por Lee Majors (o eterno Homem de Seis Milhões de Dólares), a série mostrava um dublê de cinema que nas horas vagas trabalhava como caçador de recompensa. Apesar de alguma memória, não fiquei exatamente empolgado quando anunciaram uma nova versão da série neste O Dublê. Parecia mais uma maneira de associar um nome conhecido ao que seria só mais um filme de ação para tentar minimizar riscos e atrair mais gente aos cinemas, ainda mais por não ser uma produção com uma enorme comunidade de fãs clamando por mais. De todo modo, fui conferir O Dublê e fico contente de encontrar uma aventura bem bacana e despretensiosa.

A narrativa é protagonizada por Colt (Ryan Gosling), um dublê em hiato na carreira depois de um acidente durante uma filmagem. Ele recebe uma chance de voltar ao trabalho quando a produtora Gail (Hannah Waddingham) pede que ele participe de seu novo filme e a ajude a encontrar o astro Tom Ryder (Aaron Taylor Johnson) que está desaparecido. O que leva Colt a aceitar o trabalho é que o filme está sendo dirigido por Jody (Emily Blunt), antiga paixão do dublê da qual ele se afastou depois de um acidente.

O filme é, sobretudo, uma ode ao trabalho dos dublês, mostrando-os como parte essencial do espetáculo do cinema hollywoodiano, revelando todo o trabalho de preparação que ocorre nos bastidores e defendendo mais reconhecimento da categoria. Essa celebração do trabalho dos dublês logicamente também está presente na ação. Recorrendo a um amplo catálogo de proezas feitas por dublês o filme coloca Colt em lutas, tiroteios, perseguições de carro, lutas em veículos em movimento, situação em que ele pega fogo, combates com o uso de animais, tudo para exibir a gama de talentos e capacidade de espetáculo desses profissionais.

A condução do diretor David Leitch, ele próprio um dublê com anos de experiência antes de passar para a cadeira de direção, reforça o trabalho de elenco e dublês em cena, mantendo planos longos e amplos que nos fazem ver como tudo ali é realizado primordialmente com efeitos práticos e pessoas de verdade. A ação envolve também pelo fato de Colt ser aquele tipo de herói que sobrevive mais pela engenhosidade e pela inteligência no uso de suas habilidades do que pela força bruta. Há sempre uma sensação de que ele está com as chances contra si e de que as coisas podem dar errado a qualquer momento, com Colt conseguindo escapar e se salvar justamente por seu treinamento de saber se manter em segurança durante situações perigosas.

Além da celebração dos dublês é visível aqui o esforço de Leitch em mostrar sua mão de diretor e se valorizar como tal ao construir uma visualidade estilizada e excêntrica (como na cena em que Colt fica chapado e começa a delirar). É algo que o diretor tenta empreender há algum tempo com resultados irregulares. Em alguns casos ele entrega produções com personalidade a exemplo de Atômica (2017) enquanto que nos casos menos sucedidos, como o superestimado Trem-Bala (2022), ficamos com um engodo visual que tenta emular diretores melhores como Edgar Wright, Shane Black ou Tarantino sem nada do que torna o cinema deles realmente marcante.

Aqui Leitch consegue imprimir um ritmo caótico e bem humorado, embora ainda pese a mão em querer ser excêntrico e pop o tempo todo, com autorreferencialidade constante (como na cena em que Colt e Jody conversam sobre o uso de tela dividida, inúmeros usos de canções pop romântica de maneira irônica ou ter Colt e o coordenador de dublês Tucker (Winston Duke) fazendo várias referências à cultura pop cujo humor se baseia apenas no fato de reconhecermos essas referências. Como ele usa essas ferramentas de maneira muito insistente, esses elementos acabam cansando e fazem tudo soar mais como um realizador que busca algum tipo de reconhecimento de “estilo autoral” do que como uma manifestação orgânica de seus interesses como realizador. Tudo soa mais como uma colcha de retalhos de outros realizadores sem, no entanto, se apropriar disso apresentar um projeto artístico próprio. Não que esse seja o tipo de filme que precisaria de uma grande carga autoral ou que Leitch de fato precisasse se provar como autor para ter seu talento reconhecido, o problema é que o filme tem essa pretensão e não a cumpre.

Além do espetáculo das cenas de ação, o que impede a produção de se perder nessa onda de piadinhas e referências inanes é o carisma do elenco. Ryan Gosling continua ótimo em fazer o tipo de herói azarado que se mete em mais problemas do que imaginava que fez tão bem em Dois Caras Legais (2016), ele dá a Colt um senso de um homem comum envolvido em circunstâncias extraordinárias tentando ao máximo sobreviver a todas as coisas inesperadas jogadas em sua direção. O ator tem uma ótima química com a Jody de Emily Blunt e o trabalho dos dois consegue dar algum peso emocional na relação do casal que nos faz genuinamente nos importarmos se eles ficaram juntos ou não. Gosling também constrói uma boa relação com o personagem de Winston Duke, convencendo de que estamos diante de dois sujeitos que trabalham juntos há muito tempo e se conhecem muito bem, a despeito de que as constantes piadinhas de referências pop entre eles nem sempre sejam tão engraçadas quanto o roteiro pensa ser.

Misturando ação e comédia romântica, O Dublê é uma celebração da contribuição dos dublês para o cinema, entregando uma aventura divertida e despretensiosa que nos lembra de tempos mais simples em que blockbusters de ação não estavam preocupados com universos compartilhados, amplas mitologias ou elencos inchados e focavam apenas em fornecer entretenimento.

 

Nota: 7/10


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