A trama mostra a garota Riley agora com treze anos. Ela tem amigas na escola, ela é destaque no seu time de hockey e suas emoções aprenderam a trabalhar em harmonia. A passagem do tempo também tornou o funcionamento de sua mente mais complexo, com o surgimento de uma camada profunda na qual certas memórias formam convicções que se enraízam no senso de si da Riley. A Alegria se preocupa em só transformar em convicções as memórias que se conectam a um senso de si positivo de que Riley é uma boa pessoa, jogando para as margens da mente as memórias que ela acha negativas.
As coisas, no entanto, mudam quando o alarme da puberdade toca e o centro de comando entra em reforma, deixando tudo um caos. A bagunça se agrava com a chegada de novas emoções: a Ansiedade, o Tédio, a Vergonha e Inveja. Liderados pela Ansiedade, as novas emoções expulsam a Alegria e os demais do centro de comando, arrancando também o senso de si de Riley. Agora a Ansiedade deseja reconstruir o senso de si de Riley para se adequar às transformações de sua vida e sua tentativa de ir para um novo time.
Obviamente ter a mente dominada pela Ansiedade não se mostra muito saudável para Riley, que começa a fazer más escolhas movida pelo sentimento de que precisa fazer determinadas coisas para ser aceita. Inicialmente temi que o filme fosse cair no erro que o primeiro evitou, o de vilanizar a Ansiedade criando o maniqueísmo de existem emoções que são ruins e precisam ser evitadas a todo custo. Felizmente isso não acontece e o arco da Ansiedade acaba sendo similar ao da Alegria no primeiro filme, o de que tentar fazer tudo sozinha terá resultados destrutivos para Riley. A Alegria também tem seu próprio arco, aprendendo que não pode escantear as memórias ruins na construção das convicções de Riley, lembrando que experiências ruins podem servir como um lembrete para fazer boas escolhas e que o senso de si não pode ser algo monolítico, unidimensional, mas em constante transformação conforme Riley passa por novas experiências.
Tão importante quanto o que o filme diz é como ele diz e, nesse sentido, Divertida Mente 2 segue encantando pela sua capacidade de fabulação ao construir as paisagens da mente de Riley e como esses espaços ilustram seus estados de ânimo. Assim que ela acorda depois de soar o alarme da puberdade, vemos suas reações exacerbadas, com o mínimo toque no painel de controle, Raiva ou Tristeza acidentalmente colocam a garota em explosões de irritação ou choro pelas mínimas coisas. Quando a Alegria e as outras emoções tentam cortar caminho pela imaginação para voltar ao centro de comando, descobrem que os trabalhadores da imaginação foram escravizados pela Ansiedade para ficarem imaginando sem parar cenários de possíveis fracassos ou coisas dando errado para alimentar as contingências da Ansiedade. A cena tem um quê de 1984, com o rosto da Ansiedade em um grande monitor vigiando a imaginação tal qual o Grande Irmão do livro de Orwell.
A inventividade visual do longa também se verifica no segmento do cofre, o lugar onde os segredos são guardados na mente Riley. Lá a Alegria e os demais encontram, por exemplo, um personagem de animação que Riley assistia quando pequena e que ela ainda gosta em segredo. O personagem é um cachorro bidimensional, que fala e se move como desenhos para crianças pequenas tipo Dora: A Aventureira, com direito a movimentos limitados e poucos frames de animação. Lá também vemos o crush de Riley em um personagem de videogame, cujo estilo visual remete à época do Playstation 2, com toda a baixa resolução, bugs e falhas de animação que esses modelos tridimensionais tinham.
A tentativa da Ansiedade de criar um novo senso de si para Riley resulta em uma matriz toda troncha no qual, ao contrário do que a Ansiedade imaginava, Riley cria uma imagem de si de que não é boa o bastante, não importa o que faça. É uma maneira de mostrar como boas intenções e um conjunto de ações que não seria negativa por si só podem gerar uma autoestima baixa. Ao focar no que falta a Riley (novos amigos, novo time) e não no que ela tem (boas amigas, boas relações) a Ansiedade cria nela uma cultura de escassez, para o usar o termo da pesquisadora Brené Brown, no qual ela apenas foca nas ausências que lhe marcam, criando um senso constante de inadequação.
A ideia de não vilanizar as emoções também é vista em outros personagens. A Vergonha, por exemplo, impede Riley de fazer certas coisas, mas também é a Vergonha que começa a se rebelar contra o controle da Ansiedade, revelando como essa emoção é importante para nos proteger de escolhas ruins ou que vão contra o nosso caráter.
A tentativa da Ansiedade em manter o controle mesmo quando todos os seus planos desmoronam a faz tentar acelerar ainda mais o funcionamento da mente de Riley, gerando um turbilhão na sala de controle que literalmente paralisa tudo dentro e fora da garota em um surto de ansiedade que é angustiante de tão real. Os sentimentos negativos que vem com isso são ilustrados pelo tsunami das memórias ruins jogadas na margem da mente pela Alegria que acabam invadindo o lago das convicções.
A catarse que vem disso tudo traz a tocante imagem do painel
de controle emanando um facho de luz na direção da Alegria, como que a chamando
para assumir o controle, ilustrando como Riley aprendeu a controlar suas
emoções e a convocá-las quando precisa ao invés de apenas ser controlada e
reagir a elas. Emociona não apenas por mostrar a superação de um problema, mas
o amadurecimento da garota cuja história acompanhamos por quase uma década
(sim, o primeiro filme tem quase dez anos). É um momento que sedimenta como Divertida Mente 2 cresceu com sua
audiência, saindo das experiências infantis do anterior para a complexidade da
angústia adolescente que lida com a formação de uma personalidade e uma maior
entendimento sobre as próprias emoções.
Nota: 10/10
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