Lançado em 2006, o suspense Estrada da Morte entrou para a história do cinema hollywoodiano como a bilheteria mais baixa da indústria, tendo arrecadado apenas trinta dólares na única semana em que ficou em cartaz. Essa manchete atraiu atenção para o filme, despertando a curiosidade de muitos em saber como isso aconteceu e se a produção era realmente tão ruim.
O fracasso
Considerando o preço do ingresso na época, o que foi arrecadado na bilheteria corresponde a seis pessoas indo assistir ao filme, sendo que duas delas, segundo uma reportagem da Entertainment Weekly, foram de pessoas que trabalharam na produção, especificamente uma maquiadora que foi assistir com um amigo. Estrada da Morte ficou em cartaz apenas uma semana em um único cinema de Dallas, no Texas, com uma sessão por dia. A exibição restrita foi proposital para cumprir uma resolução do SAG (o sindicato dos atores), que permite filmes de baixíssimo orçamento, como foi o caso de Estrada da Morte, de pagarem cachês aos atores abaixo de determinados pisos estipulados pela entidade, em contrapartida o sindicato obriga que o filme seja exibido nos cinemas dos EUA.
O produtor Leo Grillo (que também atua no filme), falou à
mesma reportagem da Entertainment
Weekly que não tinha interesse em um lançamento nos cinemas do país, que
preferia focar primeiro em lançar para home
vídeo no exterior para depois tentar conseguir uma negociação melhor para o
lançamento em vídeo nos EUA. Grillo então procurou a maneira mais barata de
cumprir o acordo com o SAG, encontrou um cinema pequeno em Dallas e pagou
apenas mil dólares para que ele tivesse uma sessão por dia por uma semana. A
maquiadora que foi assistir Estrada da
Morte nos cinemas voltou a trabalhar com Grillo algum tempo depois e quando
Grillo soube que ela pagou para ver o filme no cinema, fez questão de devolver
a ela os dez dólares gastos com os ingressos, efetivamente fazendo o balanço
final do filme na bilheteria ser de vinte dólares.
Todo filmado em locação no deserto de Mojave e na estrada Zzyzx que inspirou o título original do filme (Zyzzyx Road, mudando um pouco a grafia da estrada real, provavelmente para facilitar a pronúncia), a produção teve sua parcela de problemas. Além de constantemente ter que lidar com cobras venenosas e escorpiões atrapalhando as gravações, o que obrigou a produção a contratar um tratador de animais para garantir a segurança. O principal problema, no entanto, envolveu o ator Tom Sizemore.
Em 2004 quando a produção foi filmada Sizemore já era conhecido por seus problemas jurídicos, tendo sido preso em 2003 por agredir fisicamente uma ex-namorada e algumas outras vezes por problemas com drogas e álcool. Durante as filmagens de Estrada da Morte Sizemore estaria em liberdade condicional relativa ao crime de agressão em 2003 e era obrigado a fazer testes de drogas regularmente. Durante as gravações de Estrada da Morte Sizemore falhou em um desses testes e foi preso.
Como a produção de Estrada
da Morte era relativamente modesta, o cronograma de filmagens era bem
apertado e nenhum dia podia ser perdido, então ficar sem um membro do elenco
principal era um prejuízo grande que poderia inviabilizar todo o
empreendimento. Eventualmente a produção conseguiu que Sizemore fosse liberado
para retornar às filmagens e o filme foi completado.
Estrada da Morte é um suspense que acompanha Grant (Leo Grillo), um contador que foi para Las Vegas e teve um caso com a jovem Marissa (Katherine Heigl). Quando Joey (Tom Sizemore), o namorado de Marissa, encontra os dois, Grant acaba matando Joey durante uma briga. Agora o casal dirige pelo deserto procurando um meio de desovar o cadáver de Joey, mas coisas estranhas começam a acontecer.
É claramente algo pensado para flertar com o surrealismo e nos deixar incertos se o que estamos vendo é realidade ou se são delírios dos personagens. Há uma ambição de querer fazer algo ao estilo de Estrada Perdida (1997), de David Lynch, em especial pelo modo como o filme filma a imensidão vazia da estrada noturna. O problema é que o roteiro e a direção de John Penney não parecem entender o que torna o surrealismo do cinema de Lynch tão envolvente, trocando a atmosfera enigmática, que se abre a diferentes interpretações, e a plasticidade visual por um mero encadeamento de reviravoltas desenhadas apenas para chocar.
Com menos de uma hora e meia o filme tenta jogar uma reviravolta depois da outra, lançando a narrativa em tantas direções que deixamos de nos importar porque qualquer hipótese que formulemos será posteriormente desfeita quando a guinada seguinte jogar o filme em uma nova direção. Não deixa de ser curioso que, no fim, tudo acabe se transformando em um slasher bem banal.
Não ajuda que os personagens tenham tão pouca substância que não temos muito com o que nos conectar a eles. O texto diz que Grant é um cara que ama a filha e que está com problemas no casamento, mas nunca nos permite ver isso e sentir o devido peso que a culpa por um caso extraconjugal ou o risco de prisão tem sobre ele. Sem falar que a trama nunca explica exatamente o que diabos ele foi fazer sozinho em Las Vegas, algo que poderia ser resolvido com uma linha de diálogo, dizendo que ele estava lá para um congresso, por exemplo.
Marissa foi pensada como uma personagem que deveria ser ambígua, transitando entre uma garota fútil que não parece ter noção da severidade da situação em que se encontra e uma hábil sedutora capaz de manipular qualquer homem. O problema é que nem o texto, nem a interpretação de Katherine Heigl trazem essa ambiguidade e toda a incerteza que o filme tenta construir sobre Grant ser uma vítima dela não se concretiza. Além disso, Heigl, que tinha 28 anos quando o fez o filme e acabara de filmar o piloto de Grey’s Anatomy, nunca convence como uma garota de 17 anos e faz a personagem soar ridícula porque claramente vemos uma mulher adulta tentando se passar por menina.
Como não há ambiguidade em nenhum dos personagens, a revelação final de que Grant delirou que estavam sendo perseguidos por Joey e, movido por esses delírios, estava inconscientemente tentando matar Marissa por não conseguir lidar com a culpa de ter traído a esposa não tem qualquer impacto. Soa menos como um personagem destruído pela própria consciência e mais como um misógino idiota que culpa uma mulher (uma menor de idade, diga-se passagem) por seus erros. A falta de dualidade em Marissa só exacerba essa impressão.
Não ajuda também que boa parte do filme seja de closes nos personagens no carro ou andando por paisagens escuras que não apenas torna difícil contextualizar o espaço em que estão como também não serve para a criação de uma atmosfera de suspense ou tensão. É simplesmente um filme esteticamente sem vida, que nunca aproveita as paisagens ermas do deserto para criar suspense. Nesse sentido, penso que a escolha de ambientar a narrativa na estrada Zzyzx (a pronúncia seria algo como “zei-zíx”), o último lugar do mundo por ordem alfabética (ao menos no alfabeto latino) seria para ilustrar o senso de perdição de Grant, de como ele chegou no fundo do poço e está tão perdido que foi parar nesse que é o último endereço do mundo, mas é um paralelo temático que a trama não aproveita.
Estrada da Morte é
um daqueles filmes que é equivocado em praticamente todos os aspectos, exibindo
um texto ruim, atuações e escalação de elenco repleto de más escolhas e incapaz
de gerar a tensão que propõe. É um filme que mira em David Lynch, mas acerta no
Tommy Wiseau, embora não tenha o potencial de humor involuntário de The Room (2003).
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