sexta-feira, 28 de junho de 2024

Rapsódias Revisitadas – Kramer vs Kramer

 

Análise – Kramer vs Kramer

Review – Kramer vs Kramer
Lançado em 1979, Kramer vs Kramer é um drama que tenta discutir sobre os papéis sociais presumidos para homens e mulheres, em especial nas expectativas da sociedade a respeito do trabalho de homens e mulheres nos cuidados domésticos. A trama é focada no casal Ted (Dustin Hoffman) e Joanna Kramer (Meryl Streep). Ted é um publicitário em ascensão enquanto Joanna abriu mão da própria carreira para se dedicar a cuidar da casa e do filho do casal, Billy (Justin Henry). Infeliz no casamento, Joanna decide deixar Ted e o deixa com Billy. Ted precisa reestruturar toda sua vida para cuidar do filho sozinho, mas depois de um ano e meio Joanna volta e decide pedir a guarda do garoto. 

Ted é um pai e marido negligente, que não percebe a infelicidade da esposa e não dá a mínima para as necessidades do filho, jogando tudo nas costas de Joanna. Ele exemplifica a mentalidade de que cabe ao homem apenas prover para o lar e que basta isso para ser considerado um bom marido, algo ressaltado posteriormente pelas perguntas do advogado dele a Joanna durante a audiência de custódia. 

Ter que cuidar do filho vai mostrar a ele como as responsabilidades do lar são praticamente um emprego por si só considerando o tempo e energia que é demandado para manter um lar funcionando e uma criança bem cuidada. Se antes ele negligenciava o quanto isso consumia a esposa, aos poucos ele próprio vai sendo, de certa forma, desgastado por isso. O protagonista experimenta como a estrutura social daquele momento é desenhada para depender do trabalho doméstico de esposas, já que ele não consegue manter a mesma produtividade no trabalho agora que divide sua atenção com os cuidados do filho. Mais que isso, o chefe de Ted trata o fato dele diminuir o ritmo de trabalho para cuidar da família como um problema para a empresa, tratando-o como um estorvo a ser eliminado já que a empresa nunca teria o foco total de Ted. 

Ser subestimado por ter responsabilidades domésticas ou considerado um funcionário menos dedicado por ter que abrir tempo em sua rotina de trabalho para cuidar do filho é uma experiência comum a mulheres no mercado de trabalho e agora que está sozinho cuidando do filho Ted passa por situações similares. É mais um meio no qual o filme reforça as rígidas estruturas sociais que impõem determinadas expectativas sobre o que homens e mulheres devem fazer ou qual lugar devem ocupar. 

O retorno de Joanna e o início do processo judicial pela custódia de Billy mostra o quão feio esse tipo de procedimento pode ser para ambas as partes. Com os advogados dos dois lados examinando as vidas deles sob um microscópio e usando cada fala e cada momento de contradição contra eles. As cenas em que ambos são colocados para depor e eviscerados pelo advogado da oposição são dolorosas de assistir, mostrando que, de perto, com cada ação e fala minuciosamente criticada, ninguém sai como uma boa pessoa. É particularmente doloroso no depoimento de Joanna e no modo machista como o advogado de Ted a critica. 

Aliás, perceberam como eu falei bem pouco de Joanna? Bem, é porque o filme dedica muito pouco tempo a ela apesar de ser um personagem central. Como todo o filme é narrado sob o ponto de vista de Ted e é carregado por esse olhar masculino, nunca vemos de fato a história sob a perspectiva de Joanna, diferente de produtos mais contemporâneos como A Nova Vida de Toby (2022), que desconstrói o ponto de vista masculino ao revisar toda a história sob o ponto de vista da esposa do protagonista, ou História de um Casamento (2019). Por conta disso seria até fácil vilanizar Joanna como uma mulher instável e egoísta que larga a família e depois quer tomar o filho de volta apesar de tê-lo abandonado já que temos pouco acesso ao seu olhar sobre os eventos. 

Sim, Meryl Streep é excelente em mostrar o sofrimento silencioso da personagem. Vemos em seu semblante um desespero quieto, como se estivéssemos diante de alguém se afogando em silêncio, devorada por dentro por tudo que deixou de dizer e fazer porque achou que se conformar ao que se esperava dela como mulher seria o bastante para dar sentido a sua vida. Cada vez que vemos Streep em cena ela deixa subjacente esse sentimento de culpa que abala a personagem por não conseguir ser feliz sendo uma dona de casa, como se ela censurasse a si mesma por ousar desejar mais. É por conta da nuance que Meryl Streep traz para a personagem e a já citada cena do testemunho dela no tribunal, na qual sentimos a virulência violenta das palavras do advogado, que a personagem não termina o vilanizada.

Assim, Kramer vs Kramer nem sempre consegue tratar as discussões sobre as expectativas que a sociedade tem a respeito de homens e mulheres com a amplitude que ambiciona, talvez tenha conseguido o que era possível para uma produção hollywoodiana da época, mas, de todo modo, ficar preso ao olhar masculino sobre a história prejudica a conversa que a narrativa tenta construir.


Trailer

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