terça-feira, 30 de julho de 2024

Crítica – Acima de Qualquer Suspeita

 

Análise Crítica – Acima de Qualquer Suspeita

Review – Acima de Qualquer Suspeita
Comecei a assistir a minissérie Acima de Qualquer Suspeita sem esperar muita coisa. Parecia só mais um drama jurídico e investigativo. Na prática ele é isso, não tendo qualquer reinvenção da roda nas mecânicas desse gênero, seja em forma ou conteúdo, mas é muito bem executado ao ponto de se elevar no oceano de produções similares.

Adaptando o romance homônimo de Scott Turow, a trama acompanha o promotor Rusty Sabich (Jake Gyllenhaal). Quando a promotora Carolyn Polhemus (Renate Reinsve, de A Pior Pessoa do Mundo) é assassinada com um método similar a um assassino que ela prendeu, Rusty se torna o promotor responsável pelo caso. O problema é que Rusty mantinha uma relação extraconjugal com Carolyn e esteve com ela na noite do assassinato, tornando-o suspeito do crime. Ele é retirado do caso e o promotor Tommy Molto (Peter Sarsgaard) trata Rusty como o principal suspeito. Agora Rusty precisa provar sua inocência.

Já vimos inúmeras histórias de pessoas acusadas injustamente, com todas as chances contra si, que precisam provar a própria inocência. Não há nada de novo nesse tipo de história a ser encontrado aqui. O que a série faz muito bem é manejar a intriga e o suspense, sempre fornecendo pistas ambíguas que nos fazem duvidar tanto do seu protagonista quanto de seus adversários.

Muito da tensão vem de estabelecer Rusty como um narrador não confiável. Sim, acompanhamos tudo do seu ponto de vista, sendo fácil aderir ao seu modo de enxergar as coisas, porém, já nos primeiros episódios, vemos como ele oculta e manipula informação inclusive de nós. Isso nos mantem em estado de dúvida quanto as afirmações que ele faz sobre a própria inocência e a interpretação que tem das provas. O fato dele ser adúltero, mentiroso e agressivo nos faz pensar que ele poderia ter cometido o crime, principalmente depois que o vemos ser violento com outras pessoas.

Ao mesmo tempo a trama também estabelece os antagonistas de Rusty como pessoas pouco confiáveis. O promotor Molto é movido tanto por um senso de justiça quanto por sentimentos mal resolvidos por Carolyn, bem como um ciúme pessoal e profissional por Rusty. O chefe de Molto, Nico Della Guardia (O.T Fagbenle, de O Conto da Aia), vê no caso uma oportunidade de ganhar visibilidade na vindoura eleição e usar a condenação de Rusty para desmoralizar a gestão anterior. Assim, esses personagens angariam nossas suspeitas por estarem agindo em benefício próprio e não do caso, nos deixando incertos se eles estão escondendo algo.

A mesma ambiguidade está presente na família de Rusty. A esposa dele, Barbara (Ruth Negga), demonstra um claro incômodo em saber da traição do marido, mas o modo como ela estoicamente permanece ao lado dele sob a justificativa de proteger os filhos e família, dá a entender que ela pode saber mais do parece. Os filhos do casal também parecem ter mais ciência das ações do pai na noite do crime do que inicialmente demonstram, levantando suspeitas sobre todos.

As cenas de tribunal ressaltam a argúcia dos dois lados envolvidos, cada um tentando explorar as vulnerabilidades do argumento do outro, constantemente mudando a opinião que o júri e que o espectador tem do caso. O fato de que tanto Molto quanto Rusty e seu advogado, Raymond (Bill Camp) sejam igualmente capaz contribui para o suspense, já que há um risco real do protagonista ser derrotado (sem mencionar o risco de que ele possa realmente ser culpado). As cenas também acertam no realismo do cotidiano do tribunal, com os advogados conduzindo as inquirições de suas mesas ao invés de ficar zanzando pelo espaço vazio que separa as mesas da bancada do juiz como se aquilo fosse um palco. Claro, a série não deixa de ter momentos de alto drama durante o julgamento, com acontecimentos bombásticos tipo alguém ter um infarto no meio de um testemunho, mas eu aprecio a abordagem mais pé no chão e menos sensacionalista de advogados que não se comportam como se estivessem em um teatro histriônico (embora a série reconheça que há uma inegável dimensão performática nessa função) e evitam clichês de provas e testemunhas-surpresa que são típicos desse tipo de narrativa.

O desfecho reforça a noção de ambiguidade moral desses personagens, entregando uma resolução amarga que nos lembra de como cada um dos lados envolvidos estava mais preocupado em servir seus próprios interesses do que em buscar justiça para a vítima. É um final coerente com a dualidade construída para os personagens ao longo da trama e com um senso de fatalismo que permeia toda a narrativa de que o judiciário está menos preocupado com a verdade e mais com os interesses dos lados envolvidos. A defesa está sempre interessada em provar a inocência do réu, a acusação está preocupada com a condenação, não importando a verdade ou a culpa. É justamente por causa disso, da busca de cada lado por um veredito favorável e não pela verdade, que no fim a vítima permaneça sem justiça para si. 

Assim, mesmo que apresente um drama jurídico bem típico Acima de Qualquer Suspeita envolve pelo modo como constrói a ambiguidade dos seus personagens, mantendo o espectador em um constante estado de desconfiança em relação a esses narradores pouco confiáveis.

 

Nota: 8/10


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