sexta-feira, 19 de julho de 2024

Crítica – The Boys: Quarta Temporada

 

Análise Crítica – The Boys: Quarta Temporada

Resenha Crítica – The Boys: Quarta Temporada
A terceira temporada de The Boys foi provavelmente a melhor da série até aqui. As expectativas para a quarta temporada estavam altas e, embora este penúltimo ano tenha sua parcela de qualidades, o resultado é o ano mais fraco da série até agora, com a temporada funcionando mais como uma preparação para o clímax que será o quinto e provavelmente último ano da série.

Depois dos eventos do terceiro ano, o Capitão Pátria (Antony Starr) conseguiu tudo o que desejava, ele se livra do processo por ter matado uma pessoa no meio da rua, consolida seu controle da Vought e se move para tornar Victoria Neuman (Claudia Doumit) sua marionete na Casa Branca. Enquanto isso Billy Bruto (Karl Urban) lida com a piora de seu estado de saúde por conta do uso do composto V, percebendo que seu tempo está contado. Leitinho (Laz Alonso) assume o controle da equipe, tentando encontrar um meio de deter Victoria e o Capitão Pátria, com a resposta sendo o vírus encontrado por Bruto no final de Gen V. Annie (Erin Moriarty) se tornou uma ativista anti-Vought e tenta mobilizar a opinião pública com a ajuda de Hughie (Jack Quaid) e os demais.

A temporada desacelera um pouco as coisas para adotar um tom mais contemplativo conforme esses personagens se dão conta de que estão chegando no fim de suas jornadas e passam a ponderar sobre seus próprios legados. Capitão Pátria alcançou o que desejava, mas ainda se sente vazio, incompleto. Ele tenta preencher isso construindo uma relação com o filho, Ryan (Cameron Crovetti), no entanto seu ego e desejo de ser amado se sentem ameaçados quando ele vê que Ryan começa a ficar popular e que as pessoas falam nele como seu substituto. O Capitão tenta também lidar com seus traumas do passado no quarto episódio, retornando ao laboratório em que cresceu para torturar os cientistas envolvidos na esperança de um senso de fechamento, tudo que ele consegue, porém é perceber como está além de qualquer conserto.

Já Bruto lida com a possibilidade de que o tumor em sua cabeça o mate antes que consiga encerrar a luta e tenta fazer as pazes com seu passado, suas escolhas e com a promessa que fez à falecida esposa de manter Ryan seguro. É um Bruto que repensa suas escolhas e que, diante da morte, arrisca seguir um caminho diferente da brutalidade implacável que seguiu até então, o que só torna as coisas ainda mais trágicas quando tudo dá errado, mesmo que não tenha sido culpa dele.

Hughie lida com a possibilidade de perder o pai e todo esse arco o ajuda a repensar a importância do desapego, não apenas de conexões afetivas diante da inevitabilidade da morte, mas de desapegar também da raiva e do rancor que o movem desde o início da série, inclusive em relação ao abandono da mãe. Ao fim da temporada o personagem se mostra mais seguro do caminho que quer tomar, livre do peso de boa parte de suas angústias.

Esse foco no desenvolvimento dos personagens faz a trama caminhar mais devagar, o que em si não seria um problema. Não acho que uma narrativa precisa de reviravoltas e acontecimentos bombásticos a todo o instante, principalmente se esses desenvolvimentos não são bem construídos e colocados em cena só para chocar e surpreender. Imagino que muita gente deve se desagradar do ritmo mais lento, considerando esse o motivo da temporada não ser tão boa, mas penso não ser o caso.

O problema, para mim, é que esse foco nos personagens e em suas jornadas interiores nem sempre é bem sucedido. Funciona para Bruto, Pátria e Hugie, mas nos demais personagens o desenvolvimento sofre por reciclar conflitos anteriores ou por construções pouco convincentes.

Todo o arco do Francês (Tomer Capone) e de Kimiko (Karen Fukuhara) apenas recicla ideias já trabalhadas de ambos lidando com o arrependimento de seus passados, com esses traumas servindo de obstáculo para o enlace amoroso dos dois. A terceira temporada já tinha colocado o Francês para enfrentar seu passado, então colocar isso novamente como uma questão para o personagem parece mais um meio de protelar o desenvolvimento da relação com Kimiko do que uma maneira de acrescentar camadas ao personagem. Do mesmo modo o Profundo (Chace Crawoford) repete seu arco da segunda temporada, tendo suas inseguranças exploradas por uma mulher manipuladora que o usa como um peão, aqui na forma da Mana Sábia (Susan Heyward).

Longe da Vought e de sua persona de heroína Annie tenta encontrar seu lugar no mundo e se redescobrir agora que abandonou todo o senso de si que construiu desde criança. A revelação de segredos de seu passado por parte da Vought e a lembrança de como agiu na juventude a fazem questionar seu senso de superioridade moral. A crise da personagem faz sentido se pensarmos no percurso dela até aqui, o problema é como a trama desenvolve essa crise, principalmente em relação à escolha de Annie de espancar Espoleta (Valorie Curry) diante das câmeras. Annie sempre se mostrou astuta no modo como usava comunicação e redes sociais a seu favor, entendendo como a opinião pública funciona e conseguindo colocar seus adversários em xeque com seu manejo da comunicação de massa.

Por isso a decisão dela espancar uma adversária diante das câmeras destruindo a própria reputação soa como algo fora do que a série estabeleceu para a personagem. Sim, a Espoleta tinha como papel provocá-la e lembra Annie de aspectos de seu passado que ela tem vergonha. Ainda assim, Annie sempre foi esperta o suficiente para usar os meios de comunicação a seu favor e aqui parece que ela age de uma maneira estúpida por pura conveniência da trama.

Espoleta e a Mana Sábia são as principais adições da temporada. A primeira funciona como uma mistura da Jubileu dos X-Men com o conspiracionista Alex Jones, apresentando um podcast de teorias da conspiração. Sempre subestimada pelos demais membros dos Sete por conta de seu jeito caipira, pensamento simplório e poderes limitados, a personagem representa como todo um contingente de pessoas brancas de classe trabalhadora e vidas banais se sentem invalidadas e invisibilizadas por discursos midiáticos e como a retórica de extrema direita, com suas teorias da conspiração racistas e xenófobas oferece a essas pessoas um inimigo para lutar e uma explicação (ainda que descolocada da realidade) do porquê suas vidas não correspondem ao “sonho americano”.

Já a Sábia é uma figura similar a um Lex Luthor ou o Ozymandias de Watchmen já que seu poder é a extrema inteligência. A personagem chama atenção pelo modo como manipula todos a sua volta e mantem seus planos só para si mesma, criando certa ambiguidade em torno de si. Em muitos momentos nos perguntamos se ela está mesmo ajudando o Capitão Pátria ou se está agindo em benefício próprio, principalmente porque apesar de conseguir convencer o Capitão a seguir seus planos em muitos momentos ela parece visivelmente temerosa de que ele se vire contra ela. O episódio final revela a extensão do planejamento da Sábia e como ela era movida mais por vaidade pessoal, de testar sua própria inteligência e ver se conseguiria, do que por ideologia ou senso de lealdade.

Como de costume a série comenta sobre a situação atual dos Estados Unidos e a ascensão de discursos ultra conservadores. Se antes noções sobre totalitarismo corporativo e o ideário de supremacia racial presente nos EUA era tratado de modo mais abrangente, falando não apenas do presente, mas de uma série de processos e eventos que ocorreram ao longo da história do país, essa temporada abandona qualquer senso de sutileza e referencia acontecimentos atuais de maneira explícita. É tudo tão focado em reproduzir manchetes, que qualquer reflexão do que leva a essas coisas e de como tudo isso é reflexo de processos políticos e sociais que estão em marcha há muito tempo quase que inexiste. Ao longo da temporada (e bem antes do episódio final que traz momentos de violência política uma semana depois de um atentado no mundo real) me pergunto como isso vai envelhecer, já que está tão preso ao momento atual que talvez não tenha nada a dizer depois. Na verdade, dependendo de como a eleição presidencial nos EUA termine é perfeitamente possível que a quinta temporada já soe datada quando estrear ou que não tenha muito mais o que fazer além de imitar a realidade.

A série continua a exibir o senso de absurdo que ajuda a torná-la tão marcante. Temos um episódio quase que inteiro focado nos personagens enfrentando galinhas e ovelhas superpoderosas depois de serem cobaias do composto V gerando cenas de ação que são sanguinárias quanto hilárias. O episódio em que Hughie se infiltra na mansão do Tek-Knight (Derek Wilson) mais uma vez mostra a depravação e fetiches malucos desses personagens, com Hughie acidentalmente indo parar no meio de um jogo de sadomasoquismo entre Tek-Knight e Ashley (Colby Minifie). Isso sem falar no choque que é quando o tumor de Bruto manifesta habilidades brutais no episódio final.

A impressão é que a quarta temporada de The Boys funciona como uma espécie de “capítulo do meio” ao tirar o pé do acelerador para amarrar os conflitos internos de seus personagens e posicioná-los para o clímax que será a temporada seguinte. Nem sempre essas escolhas funcionam, já que alguns arcos soam redundantes enquanto outros não são bem desenvolvidos, mas quando funciona é bem envolvente e perturbador. Só espero que a próxima temporada seja de fato a última e a série não se alongue mais que o necessário.

 

Nota: 7/10


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