Na trama, o mercenário Deadpool (Ryan Reynolds) é procurado por um dos gestores da AVT, Mr. Paradox (Matthew Macfadyen), que o chama para ir para o universo principal da Marvel. O problema é que isso vai acontecer porque o universo em que o mercenário reside vai deixar de existir e todos que vivem nele irão morrer. A única pessoa que poderia estabilizar a linha do tempo de seu universo seria o Wolverine (Hugh Jackman), só que ele morreu em Logan (2017). Assim, Deadpool cruza o multiverso atrás de uma variante do Wolverine que o ajude.
Como o filme partia da premissa do Deadpool indo para o MCU, imaginei que o filme seria mais focado nisso, quando, na verdade, ele funciona como uma grande celebração de tudo que ficou pelo caminho na construção do MCU, em especial os filmes da Fox. Claro, há muita zoeira com a qualidade oscilante dessas produções, mas, ao mesmo tempo, existe um certo afeto pelo que passou e um senso de tragédia por tantos personagens e histórias que não receberam o tratamento merecido.
É como se o filme reconhecesse a natureza autofágica da indústria hollywoodiana que produz filmes preocupada em seguir tendências e visando apenas ser a sensação do verão e não arte duradoura. Filmes que são feitos de qualquer jeito, sem muita preocupação com qualidade, idealizados como produtos descartáveis cujos personagens serão esquecidos em poucos anos. É também uma indústria que não deixa nada morrer, sempre trazendo de volta ideias e personagens mesmo depois que seus ciclos se encerraram dignamente. Nada explicita isso melhor do que a cena inicial do Deadpool profanando o cadáver do Wolverine, uma metalinguagem de como Hollywood não deixa nada descansar em paz. Por outro lado, considerando eventos do mundo real na mesma semana que o filme estreou, notadamente o anúncio de Robert Downey Jr. como Doutor Destino, a constante piada dita pelo mercenário de que a Marvel vai forçar Hugh Jackman a ser Wolverine até os noventa anos soa menos como um comentário engraçadinho e mais uma ameaça bem real.
Reynolds e Jackman tem uma ótima química juntos, com Wolverine funcionando como uma figura mais séria em oposição à tagarelice do Deadpool. Como de costume abundam piadas que quebram a quarta parede, com o Deadpool inclusive quebrando a câmera em determinado momento. O humor vai desde os clichês de filmes de super-heróis a comentários sobre bastidores de diferentes produções ou sobre a vida real de Reynolds ou Jackman. São piadas que parecem majoritariamente voltadas para fãs e quem conhece pouco sobre esse tipo de filme talvez não ache tanta graça. O que incomoda, no entanto, é o quanto a comédia desse terceiro filme se apoia preguiçosamente em participações especiais cuja graça consiste em apenas reconhecer determinada pessoa ou personagem. Claro, existem participações bem utilizadas, como Chris Evans, mas muitas delas se restringem a uma referencialidade vazia.
Outro elemento inferior aos dois outros filmes do mercenário tagarela é a tentativa de dar algum arco emocional aos seus personagens. Nos dois outros, em especial no segundo, esses arcos eram bem construídos, com momentos de emoção genuínas, embora elas quebrassem um pouco o ritmo da comédia alucinada da trama. Aqui as tentativas de drama ainda são quebras bruscas de tom, agravadas por não conseguirem trazer o drama que pensam construir.
Toda a questão do término entre Wade e Vanessa (Morena Baccarin) é tratada de maneira vaga, com flashbacks fragmentados que falham em estabelecer uma motivação consistente para o que aconteceu ou que o impacto disso em Deadpool seja plenamente sentido, parece que tudo acontece por necessidade do roteiro em dar algum conflito interno ao personagem do que algo motivado pelas ações e personalidades deles. Do mesmo modo, toda a jornada de redenção do Wolverine não funciona porque ela é construída quase que inteiramente em diálogos expositivos.
Sim, Hugh Jackman apresenta de maneira convincente a dor e arrependimento do personagem, mesmo assim, a redenção de Logan carece de impacto por conta do filme nunca estabelecer de maneira concreta a gravidade do que está em jogo para ele. Acaba sendo uma situação similar à da primeira temporada de Loki, no qual o trabalho do ator com o personagem ao longo do tempo angaria nossa simpatia, mesmo que essa seja uma versão diferente daquele mesmo personagem, usando esse vínculo prévio para tentar substituir um desenvolvimento apressado. A vilã Cassandra Nova (Emma Corrin) é uma típica psicopata descontrolada e seria entediante se Corrin não fosse tão boa em dar um senso de ameaça tão palpável à personagem e fizesse dela uma presença tão imprevisível.
A ação, por sua vez, continua empolgando pelo seu senso de exagero e violência com a qual é conduzida. Isso é visível desde a abertura, quando Deadpool brutalmente mata dezenas de oficiais da AVT, passando pelas várias lutas entre ele e Wolverine que se valem de maneira criativa dos poderes de regeneração de ambos e culminam no ótimo plano sequência do final em que a dupla se une para lutar contra uma série de variantes do Deadpool ao som de Like a Prayer de Madonna. Aliás, toda a paisagem musical é marcada por esse uso irônico de canções pop contrastando com a violência extrema dos combates, como no uso de Bye Bye Bye do Nsync no início.
Deadpool & Wolverine vale pelo carisma da dupla principal e
pelo modo como faz graça com o cansaço dos filmes de super-heróis ainda que não
seja tão subversivo quanto pensa ser e sua dependência de constantes
referências e cameos, bem como um
arco emocional raso para os protagonistas, faça dele o mais fraco dos três
filmes do mercenário tagarela.
Nota: 6/10
Trailer
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