A narrativa se passa nos anos 70 e é focada em Elisa (Fernanda Marques), enviada à força para Colônia pela família depois de engravidar de um namorado e recusar o casamento arranjado com outro homem feito por seu pai. Inicialmente sem saber o motivo de estar lá, ela logo descobre que outros internos e internas do lugar tem histórias como a dela, pessoas sem histórico de doença mental que foram colocados lá por não aderirem a certas normas sociais ou por não terem nada nem ninguém para onde ir. Ao vivenciar um cotidiano de maus tratos e torturas, ela tenta encontrar um meio de fugir.
Todo filmado em preto e branco, o filme usa essa escolha de fotografia para reforçar o contraste entre luz e sombra, criando uma ambientação soturna para o espaço. A paisagem sonora é permeada por sons de gritos e choros ao fundo, evidenciando os constantes maus tratos que os internos sofrem. A música, por outro lado, soa intrusiva boa parte do tempo, pesando a mão na tensão e entrando até em momentos onde não há nada de muito tenso acontecendo, como a cena inicial de Elisa sendo colocada no trem. Nesse momento não sabemos nada sobre a personagem ou para onde ela vai, não temos qualquer contexto, mas a música já está estourada, explodindo uma tensão que a narrativa não construiu.
A trama acompanha Elisa conforme ela vê e vivencia os constantes maus tratos, desde medicação forçada, passando por trabalhos forçados, castigos físicos, funcionários abusivos e condições sanitárias desumanas, como internos dormindo amontoados em fardos de palha. A cena em que ela sofre eletrochoque revela como a mente de uma pessoa sã pode ser afetada pela prática, levando a personagem a delírios e limitações cognitivas.
Apesar de narrar práticas que eram feitas no local a trama nunca consegue dar a dimensão ampla do genocídio que aconteceu ali. Parte disso é por estarmos presos ao ponto de vista de Elisa, parte é pela escolha narrativa de enquadrar tudo como um horror de tortura. Como as imagens são bem estilizadas, o efeito acaba sendo similar ao que Ivana Bentes descreveu ao falar em cosmética da fome, no qual a estilização suaviza e até espetaculariza a realidade brutal que deveria retratar. Esse é o caso em que uma imagem mais suja, mais imperfeita funcionaria melhor para sentirmos a degradação moral e psicológica daquele lugar. Talvez o enquadramento de horror não tenha sido a melhor abordagem para essa história.
Não ajuda que a jornada de Elisa seja meramente um calvário
de sofrimento, sem muitos respiros ou alento, dando a impressão de que a trama
anda em círculos apenas reforçando as mesmas ideias. Quando há algum respiro,
como a amiga de Elisa sendo encontrada pelo filho (interpretado por Samuel de
Assis), o alívio de ver alguém escapando daquele inferno é diluído pelo fato de
Elisa agora está ainda mais sozinha, servindo como mais um elemento de
sofrimento da personagem.
A equipe do hospital é tratada de modo simplista, quase que caricatural em alguns momentos, com uma parte dos funcionários sendo construída como monstros implacáveis sem humanidade ou escrúpulos e outra como bonzinhos tentando transformar as coisas, mas sem poder para tal. É uma dicotomia simplória que não reflete a nuance do que fato acontecia no hospital, nem ajuda a entender porque as coisas funcionavam daquele jeito como fez o documentário Holocausto Brasileiro (2016). Por mais que essa seja uma história importante, que merece ser conhecida, Ninguém Sai Vivo Daqui faz um retrato muito unidimensional do caso, não conseguindo dar a dimensão da amplitude do genocídio ocorrido ali ou da complexidade da situação.
Nota: 4/10
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