segunda-feira, 8 de julho de 2024

Crítica – Ninguém Sai Vivo Daqui

 

Análise Crítica – Ninguém Sai Vivo Daqui

Review – Ninguém Sai Vivo Daqui
Inspirado no livro-reportagem Holocausto Brasileiro, de Daniela Arbex (que baseou o documentário de 2016 de mesmo nome), este Ninguém Sai Vivo Daqui narra a história do hospital psiquiátrico Colônia, localizado no interior de Minas Gerais, como uma história de terror. Com mais de 60 mil internos mortos ao longo de décadas, muitos dos quais sequer sofriam de transtornos mentais, o caso se tornou um símbolo da luta antimanicomial no Brasil.

A narrativa se passa nos anos 70 e é focada em Elisa (Fernanda Marques), enviada à força para Colônia pela família depois de engravidar de um namorado e recusar o casamento arranjado com outro homem feito por seu pai. Inicialmente sem saber o motivo de estar lá, ela logo descobre que outros internos e internas do lugar tem histórias como a dela, pessoas sem histórico de doença mental que foram colocados lá por não aderirem a certas normas sociais ou por não terem nada nem ninguém para onde ir. Ao vivenciar um cotidiano de maus tratos e torturas, ela tenta encontrar um meio de fugir.

Todo filmado em preto e branco, o filme usa essa escolha de fotografia para reforçar o contraste entre luz e sombra, criando uma ambientação soturna para o espaço. A paisagem sonora é permeada por sons de gritos e choros ao fundo, evidenciando os constantes maus tratos que os internos sofrem. A música, por outro lado, soa intrusiva boa parte do tempo, pesando a mão na tensão e entrando até em momentos onde não há nada de muito tenso acontecendo, como a cena inicial de Elisa sendo colocada no trem. Nesse momento não sabemos nada sobre a personagem ou para onde ela vai, não temos qualquer contexto, mas a música já está estourada, explodindo uma tensão que a narrativa não construiu.

A trama acompanha Elisa conforme ela vê e vivencia os constantes maus tratos, desde medicação forçada, passando por trabalhos forçados, castigos físicos, funcionários abusivos e condições sanitárias desumanas, como internos dormindo amontoados em fardos de palha. A cena em que ela sofre eletrochoque revela como a mente de uma pessoa sã pode ser afetada pela prática, levando a personagem a delírios e limitações cognitivas.

Apesar de narrar práticas que eram feitas no local a trama nunca consegue dar a dimensão ampla do genocídio que aconteceu ali. Parte disso é por estarmos presos ao ponto de vista de Elisa, parte é pela escolha narrativa de enquadrar tudo como um horror de tortura. Como as imagens são bem estilizadas, o efeito acaba sendo similar ao que Ivana Bentes descreveu ao falar em cosmética da fome, no qual a estilização suaviza e até espetaculariza a realidade brutal que deveria retratar. Esse é o caso em que uma imagem mais suja, mais imperfeita funcionaria melhor para sentirmos a degradação moral e psicológica daquele lugar. Talvez o enquadramento de horror não tenha sido a melhor abordagem para essa história.

Não ajuda que a jornada de Elisa seja meramente um calvário de sofrimento, sem muitos respiros ou alento, dando a impressão de que a trama anda em círculos apenas reforçando as mesmas ideias. Quando há algum respiro, como a amiga de Elisa sendo encontrada pelo filho (interpretado por Samuel de Assis), o alívio de ver alguém escapando daquele inferno é diluído pelo fato de Elisa agora está ainda mais sozinha, servindo como mais um elemento de sofrimento da personagem.

A equipe do hospital é tratada de modo simplista, quase que caricatural em alguns momentos, com uma parte dos funcionários sendo construída como monstros implacáveis sem humanidade ou escrúpulos e outra como bonzinhos tentando transformar as coisas, mas sem poder para tal. É uma dicotomia simplória que não reflete a nuance do que fato acontecia no hospital, nem ajuda a entender porque as coisas funcionavam daquele jeito como fez o documentário Holocausto Brasileiro (2016). Por mais que essa seja uma história importante, que merece ser conhecida, Ninguém Sai Vivo Daqui faz um retrato muito unidimensional do caso, não conseguindo dar a dimensão da amplitude do genocídio ocorrido ali ou da complexidade da situação.

 

Nota: 4/10


Trailer

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