quinta-feira, 25 de julho de 2024

Rapsódias Revisitadas – Dublê de Corpo

 

Resenha – Dublê de Corpo

Review – Dublê de Corpo
O cinema de Brian de Palma sempre teve algo de referencial, com o diretor misturando influências de diferentes cineastas. Isso é visível em Dublê de Corpo, thriller erótico lançado em 1984 em que o diretor tenta fazer algo hitchcockiano. A trama segue Jake (Craig Wasson), um ator iniciante que recentemente perdeu um papel por conta de sua claustrofobia e pegou a namorada na cama com outro homem. Sem ter onde ficar, ele acaba aceitando a oferta Sam (Gregg Henry), um outro ator que ele conhece durante testes. Sam vai ficar fora da cidade por um tempo e oferece a Jake a casa onde ele está ficando. Ao levar Jake para o imóvel, Sam chama a atenção do amigo para a vizinha, que toda noite dança pelada em seu quarto. Jake começa a observá-la todo dia até que a vê ser abusada pelo marido e percebe uma figura estranha seguindo a mulher. Obecado, Jake tenta avisar a vizinha do que está ocorrendo.

É uma narrativa que claramente mistura Janela Indiscreta (1954) com Um Corpo que Cai (1958). Do primeiro de Palma pega a narrativa de viés voyeurístico, um sujeito que fica fascinado em observar as janelas até que observa algo que não deveria e se coloca em problemas. Do segundo ele pega a ideia de um protagonista com uma fobia paralisante que é usado como bode expiatório e cujo plano do vilão envolve usar uma mulher se passando por outra para atrair o protagonista.

As influências de Hitchcock no filme não se limitam a elementos da trama, principalmente nas escolhas estilísticas. A cena em que Jake persegue o sujeito que seguia a vizinha até um túnel e fica paralisado por conta da claustrofobia tem enquadramentos e movimentos de câmera que evocam o senso de vertigem que Hitchcock construiu em Um Corpo que Cai. Aqui de Palma usa inclinações no eixo horizontal da câmera bem como mudanças de foco e de zoom para transmitir o senso de desorientação que o personagem experimenta durante o episódio claustrofóbico.

A trama reflete também sobre a natureza voyeur do próprio cinema. De como o prazer que temos com o audiovisual vem desse desejo de observar as vidas dos outros, vivenciar seus dramas, as tensões, os temores e riscos da segurança de nossa poltrona, sem efetivamente precisarmos vivenciar de fato situações de extremo risco. Mais que isso, reflete como o cinema se constrói a partir de um olhar masculino no qual as imagens, principalmente os corpos femininos, são filmadas como objetos de desejo para o prazer escopofílico do homem.

Há um excesso no modo como o filme conduz as atuações e espaços pelos quais os personagens transitam, mas são escolhas que soam propositais. Brian de Palma usa isso para comentar a natureza construída e artificial do cinema, de como tudo que estamos vendo ali não é real. É visível no uso de projeção de imagens no fundo de carros em movimento, deixando clara a ilusão de que aqueles personagens não estão dirigindo de verdade, por exemplo. Esses excessos também reforçam a noção de Hollywood como um lugar focado em aparências, um espaço personalidades e condutas exacerbadas, maiores que a vida, mas, ao mesmo tempo, meio toscas em seu senso de autoimportância. As performances histriônicas, acima do tom em muitos casos, criam essa impressão de que estamos diante de pessoas vulgares, cujos egos não lhes permite verem o quanto são baixas.

A impressão de Hollywood como um mundo de aparências cuja natureza falsa se sobrepõe à própria realidade é outra constante, com alguns eventos nos deixando incertos se o que estamos vendo é algum filme dentro do filme ou se é a realidade vivida por aqueles personagens. Talvez o melhor exemplo seja o segmento em que Jake se passa por um produtor pornô para tentar se aproximar de Holly (Melanie Griffith) e entra no set de uma produção erótica. A cena, ao som da canção Relax de Frankie Goes To Hollywood, tem um caráter surreal conforme o protagonista caminha pelo que parece ser uma festa repleta de devassidão e hedonismo tão exacerbados que ficamos em dúvida se aquilo tudo é real ou se é uma cena do pornô que está sendo produzido ali.

Em alguns momentos essas brincadeiras com níveis de realidade se tornam um pouco autoindulgentes, como se de Palma quisesse a todo momento nos lembrar de sua mão guiando todo o filme e da natureza iconoclasta que do que ele está fazendo, principalmente nas cenas em que Dennis Franz aparece interpretando um diretor de cinema cuja conduta se baseia no próprio Brian de Palma. Ainda assim, Dublê de Corpo é um hábil suspense que costura de maneira estilizada suas referências hitchcockianas para ponderar a artificialidade e excessos da própria indústria do cinema.


Trailer

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