quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Crítica – Alien: Romulus

 

Análise Crítica – Alien: Romulus

Review – Alien: Romulus
Depois de dois filmes bem aquém do esperado com Prometheus (2012) e Alien: Covenant (2017) eu não tinha muitas expectativas em relação a este Alien: Romulus. Sim, o diretor Fede Alvarez tem uma trajetória sólida no horror com filmes como O Homem nas Trevas (2016) ou A Morte do Demônio (2013), mas a impressão é que não havia muito mais a ser dito sobre o universo criado em Alien: O Oitavo Passageiro (1979). Alien: Romulus não é uma reinvenção da franquia, mas trabalha de modo consistente seus temas de totalitarismo corporativo, soberba humana ou a tentativa do homem em tomar para si a criação da vida. Inclusive executa melhor alguns conceitos que não foram muito bem aproveitados em produções anteriores neste universo.

A trama é centrada em Rain (Cailee Spaeny), que trabalha em uma decadente colônia de mineração da Weyland-Yutani. Ela acumulou horas de trabalho suficientes para conseguir um passe para deixar o lúgubre planeta minerador que não recebe luz solar para um lugar, mas habitável. Quando a empresa muda a cota de horas na última hora, ela decide encontrar um outro meio para sair do planeta junto com o sintético Andy (David Jonsson), a quem considera um irmão. A chance de fuga aparece através de Tyler (Archie Renaux) que propõe a Rain usar as permissões que Andy tem dos sistemas da Weyland-Yutani para invadirem uma estação espacial desativada e roubarem os suprimentos que precisam para chegar no planeta mais próximo. Chegando na estação, porém, descobrem que o local não foi desativado, mas destruído e que experimentos perigosos estão à solta no local.

Trabalhar cansa

Como em Alien: O Oitavo Passageiro, a Weyland-Yutani é apresentada como uma empresa que vende uma ideia de progresso e desenvolvimento para a humanidade, mas que, na prática trata seus trabalhadores como descartáveis, colocando-os em situações desumanas ou de grande risco sem se importar com as consequências. Os primeiros minutos, que nos mostram o cotidiano de Rain na colônia mineradora, evidenciam a exploração e a dureza de um regime praticamente análogo à escravidão em um mundo sombrio que não tem nada a oferecer além de horas de trabalho. Nesse sentido não é à toa a predileção da empresa em confiar suas tarefas mais vitais aos sintéticos, algo que está presente em boa parte dos filmes. Os sintéticos seriam o que a empresa considera o modelo ideal de trabalhador, sempre devotado, sem necessidade de comer ou dormir e capaz de colocar o cumprimento da tarefa acima do bem estar de quem quer que seja. É a ideia de “vestir a camisa” da empresa levada ao limite mais extremo.

O arco da relação entre Rain e Andy se estrutura muito ao redor dessas ideias, conforme o sintético acaba tendo a programação alterada e passa a agir pensando no bem estar da empresa e não mais da “irmã”. A trama serve como um lembrete de como as empresas dominam a mente de seus trabalhadores e os fazem agir de maneira que vai contra seus próprios interesses ou das pessoas ao redor. Ainda assim, o conflito entre Rain e Andy evita maniqueísmos fáceis ao reconhecer os problemas morais de algumas situações. O pragmatismo de Andy pode muitas vezes soar demasiadamente frio, mas provavelmente salva a vida de Rain e dos outros em alguns momentos. Do mesmo modo, o fato de que Rain estaria disposta a descartar Andy para sair planeta mostra que ela não o vê plenamente como um igual e, tal como a Yutani, pensa no sintético como algo descartável. Entendemos o que move cada um desses personagens, mesmo quando não concordamos com suas ações e isso da peso e um senso de consequência a suas ações, nos mantendo investidos nas escolhas que eles fazem.

David Jonsson, por sinal, é ótimo em construir as diferentes facetas de Andy. No início ele é um modelo defasado, cheio de tiques e com uma fala gaguejante, depois de ter sua programação alterada na estação sua voz muda, falando em um sotaque britânico mais acentuado e com uma entonação mais fria (embora ele deixe escapar um pouco de ressentimento ao mencionar que Rain o abandonaria) e uma postura mais rígida. O ator de fato nos faz sentir que Andy virou outra pessoa ao ficar sob o controle da empresa.

O dom da vida

A franquia Alien é marcada por suas protagonistas femininas e aqui não é diferente. Essas personagens transitam por espaços predominantemente masculinos e dominados pelo olhar dos homens, ainda assim são elas que costumam sobreviver nessas histórias. Há uma clara oposição entre a agressividade destrutiva de personagens masculinos e o modo como personagens femininas como Rain e Kay (Isabela Merced) estão mais preocupadas em proteger os outros, mesmo um ser sintético como faz Rain ao voltar para resgatar Andy durante o clímax.

O fato de Kay estar grávida é um lembrete de como são as mulheres que geram a vida e que as tentativas de homens em tomar para si essa capacidade, como nos experimentos da Romulus, só resulta em tragédia e destruição. Criar vida é algo que associamos ao divino e os esforços de figuras masculinas, inclusive do sintético Rook, de se aproximarem do divino através do ato da criação da vida, um papel que não lhes cabe, resulta aqui justamente nos xenomorfos, criaturas que existem apenas para destruir e consumir violentamente. A insistência em brincar de divino culmina em uma abominação híbrida entre humano e xenomorfo, um conceito que já tinha sido explorado em Alien: A Ressureição (1997), mas que é melhor executado aqui. Um símbolo da soberba do homem em sua inveja por querer tomar para si a capacidade criadora da mulher.

No espaço ninguém pode te ouvir gritar

Essas construções narrativas contribuem para dar força expressiva e também a construir as tensões entre os personagens que servem para que nos importemos com seus destinos, mas de nada adiantariam os conceitos mais complexos ou a moralidade mais ambígua se o filme não fosse tão eficiente na construção da tensão.

A atmosfera de isolamento e silêncio do espaço já é apresentada desde as primeiras imagens quando vemos uma nave viajando pelo espaço e ficamos um tempo sem ouvir qualquer som até que o filme nos coloca dentro da nave e passamos a ouvir os ruídos de dentro da embarcação. O design da estação espacial e da colônia de mineração mistura elementos futuristas com referências que remetem a construções da revolução industrial, fazendo tudo soar um pouco antiquado e decadente apesar de tecnologicamente avançado, conferindo um clima opressivo a esses espaços. Em algumas cenas em gravidade zero o filme constrói uma sensação de vertigem ao mover constantemente o eixo horizontal da câmera, nos fazendo perder o senso de posicionamento vertical.

Mais do que o apuro visual, o filme é criativo nas situações que cria entre seus personagens e os xenomorfos, explorando com engenhosidade as possibilidades que essas criaturas oferecem. Vemos isso no momento em que Rain e Tyler tentam aumentar a temperatura de um ambiente para passarem desapercebidos por um bando de face huggers ou a cena do corredor em que Rain desliga a gravidade para evitar que o sangue ácido das criaturas derreta o chão da estação e precisando flutuar por um espaço apertado evitando as nuvens de sangue ácido.

Se Prometheus ou Alien: Covenant recorreram predominantemente a criaturas digitais, aqui Fede Alvarez tenta usar efeitos práticos o máximo possível. As criaturas animatrônicas ajudam a dar um senso de materialidade, de que são coisas que existem de fato em cena interagindo com os atores e não que o elenco está em meio a espaços vazios que foram preenchidos a posteriori. Por outro lado, essa presença de animatrônicos e efeitos práticos só evidencia ainda mais a artificialidade da computação gráfica usada para recriar o rosto do finado Ian Holm no sintético Rook em referência ao personagem interpretado pelo ator em Alien: O Oitavo Passageiro.

Assim, confesso que fui surpreendido por Alien: Romulus, que executa melhor as pretensões temáticas dos dois filmes anteriores da franquia, construindo personagens interessantes e um eficiente clima de tensão.

 

Nota: 8/10


Trailer

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