O chef agora é outro
Nonato (João Miguel) continua preso e continua cozinhando, agora não apenas para o líder de facção Etcetera (Paulo Miklos), mas para os guardas e o diretor do presídio, usando seu talento para obter mordomias. A dinâmica da prisão muda quando o misterioso italiano Dom Caroglio (Nicola Siri), chega para cumprir pena. As tensões aumentam e Nonato tenta acalmar os ânimos ao mesmo tempo em que voltamos ao passado para descobrir como o italiano passou de um ator fracassado chamado Roberto ao Dom de uma família criminosa.
Sim, é Roberto/Caroglio o protagonista da história e não Nonato. Esse deslocamento por si só não teria problema se mesmo enquanto coadjuvante Nonato tivesse algum arco ou jornada emocional própria, mas ele existe quase como um alívio cômico e ele poderia ser substituído por outro personagem que não faria muita diferença no andamento da trama. Claro, o cozinheiro continua sendo um personagem divertidíssimo por sua engenhosidade no modo como usa comida para resolver problemas e pela linguagem despachada que usa, mas o fato dele ficar tão à margem faz a sua catarse final não ter o devido impacto, já que a narrativa não dá espaço para explorar o peso que os anos de cadeia têm sobre ele.
Se a ideia era que essa continuação funcionasse como uma espécie de antologia, contando outra história sobre comida e relações de poder, talvez fosse melhor um cenário completamente novo, sem reutilizar os mesmos personagens. A história de Roberto/Caroglio brinca com os clichês de filmes de máfia ao mesmo tempo em que navega por dinâmicas de poder envolvendo comida e classe social conforme o protagonista se apaixona por uma mulher que não pode ter, a filha de um chefão da máfia. É, inclusive, curiosa a inversão que o filme faz, já que no primeiro tínhamos um brasileiro que fazia comida italiana e agora temos um italiano que cozinha comida brasileira. Até a estrutura narrativa é similar ao primeiro filme, com duas temporalidades, o presente na prisão e o passado de Roberto na Itália, correndo em paralelo.
Ingredientes diferentes, mesma receita
No primeiro filme essa alternância criava um mistério envolvente no qual nos perguntávamos como Nonato foi parar na prisão, já que seu passado de exploração ia aos poucos trazendo novas possibilidades. Aqui não há o mesmo tanto de mistério uma vez que a trama deixa evidente lá pela metade que será o alvo de Roberto e aí a tudo vira um exercício de paciência conforme esperamos até que a trama entregue um resultado que já está bem óbvio. Não deixa de ser divertido, principalmente no modo como Roberto usa sua experiência passada como ator para compor a persona de Caroglio e o vemos se transformar de um sujeito que tem medo daquele universo de violência, como fica visível pelo tremor em suas mãos na cena em que conversa com o pai da amada, para alguém que o abraça de maneira confiante num arco que tem uma vibe meio Breaking Bad.
O filme também diverte pelo bom humor de seus diálogos, como na fala do diretor da prisão para Nonato sobre as aproximações de grafia e de conceito das palavras poder e foder. O humor também está no uso da música, como na cena inicial em que vemos o trabalho de Nonato da cozinha com closes e slow motion na comida evocando o clima de “pornô gastronômico” de muitos programas sobre culinária ao som de Inverno de Vivaldi, um signo comum de refinamento e requinte no audiovisual (é o tema da série Chef’s Table, por exemplo), mas as imagens contrapõem esse senso de refinamento ao mostrarem ratos e formigas andando em meio à comida.
Apesar de algumas boas sacadas, porém, a narrativa não tem nada a dizer sobre essas relações entre poder e comida que o primeiro filme já não tenha dito. Além disso, o clímax com a
polícia invadindo o presídio soa quase como uma ficção científica utópica
considerando a abordagem leve da tropa de choque usando armas de choque para
derrubar presos que tomaram o controle do local e estão ameaçando inclusive as
vidas dos funcionários.
Considerando o modo como nossa polícia age no mundo real em situações similares, era de se esperar que eles entrassem usando toda força possível contra os presos, o que inclusive serviria para aumentar as tensões e o senso de perigo ao redor de Nonato e Roberto, que precisariam evadir tanto os outros presos quanto a brutalidade da polícia. É bem difícil crer, considerando o cotidiano de brasileiro, que a polícia simplesmente usaria meios não letais para deter um preso que está correndo na direção do diretor do presídio com um facão na mão ou que o referido detento não seria executado logo depois em uma cena do crime forjada sob o pretexto de resistir à prisão.
Estômago 2: O Poderoso Chef diverte pela sua autofagia com filmes
de máfia e senso de humor excêntrico, mas se prende demais à estrutura do
primeiro e acaba não sendo mais do que uma refeição repetida ao invés do prato
ousado que foi o primeiro.
Nota: 6/10
Trailer
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