terça-feira, 6 de agosto de 2024

Crítica – Mais Pesado é o Céu

 

Análise Crítica – Mais Pesado é o Céu

Review – Mais Pesado é o Céu
O Brasil é um país profundamente desigual e Mais Pesado é o Céu conta a história de duas pessoas tentando sobreviver em meio à miséria nas áreas mais remotas do país. Não é uma narrativa de superação como outras histórias sobre a pobreza. É, sim, uma narrativa que pondera sobre as consequências de ter que estar sempre “se virando” para sobreviver e os impactos físicos ou psicológicos de se submeter a violências ou humilhações para conseguir o mínimo para se sustentar.

Antônio (Matheus Nachtergaele) está cruzando o Ceará rumo ao norte do país para encontrar um amigo que aparentemente tem um negócio de caranguejo. No caminho ele decide parar em sua antiga cidade que agora foi alagada por açude. Lá ele encontra Teresa (Ana Luiza Rios), que também foi ver as ruínas da antiga cidade e encontra um bebê abandonado no local. Agora os dois resolvem ficar juntos para ajudar a prover para o bebê.

São personagens tomados por uma sensação de desalento, sem perspectiva de futuro ou de estabelecerem algo para si mesmos. Suas preocupações são as mais básicas possíveis, conseguir dinheiro para garantir mais um dia de alimentação para si e para o bebê. Esse senso de desalento se traduz no modo como essas pessoas se portam no mundo. Teresa é claramente alguém endurecida por uma vida de dificuldades, com modos ríspidos, linguagem direta e que sempre hesita em ter que estabelecer qualquer conexão com outras pessoas. O trabalho de Ana Luiza Rios indica através de indícios sutis da linguagem corporal da personagem o quanto ela é resguardada e o quanto suas ações são movidas pelo medo de se decepcionar com os outros ou das coisas darem errado e ter que mais uma vez se deslocar.

Teresa costuma sair para buscar serviço enquanto Antônio cuida do bebê e do pequeno casebre abandonado que foram se abrigar. Sabendo que o bebê precisa comer, ela muitas vezes recorre a fazer programas no meio da estrada, se submetendo a constantes abusos e violências, para conseguir algum dinheiro e alimentar a criança. São cenas duras de assistir porque por mais que entendamos de onde vem a motivação para a personagem se sacrificar daquela maneira, é também lamentável que ela tenha que se sujeitar a tantos abusos.

A trama preza pelo uso de planos mais estáticos, com poucos movimentos de câmera, talvez para evocar o senso de estagnação daquelas pessoas. Esses planos são marcados por escolhas bastante precisas de encenação no modo como a imagem se vale de cenários, luz e posicionamento dos indivíduos para comunicar várias coisas sem precisar dizer isso explicitamente. Essa precisão nas escolhas de encenação fica visível na cena em que Tereza e Antônio discutem, com cada um posicionado dentro dos vestíbulos das portas tendo a parede da sala entre eles, revelando as várias barreiras emocionais e de filosofia de vida que separam aqueles dois.

Do mesmo modo a posição de Tereza e Antônio na cena em que eles transam pela primeira vez é uma inversão do que Teresa passa em seus programas. Se nas relações de beira de estrada ela sempre está em baixo ou em uma posição de submissão, sendo agredida e menosprezada, ao se deitar com Antônio ela fica em cima, assume o controle que ela não consegue ter em outros momentos. As imagens da cidade inundada pelas águas trazem o reflexo do céu na superfície aquática, mesclando céu e água, superfície e submundo, confundindo as duas coisas. Considerando a situação dos personagens é como se eles é que estivessem submersos, procurando de algum modo um caminho para emergir e respirar.

Esse caminho para respirar, porém, nunca vem. Por mais que encontrem ajuda ou amizade de figuras como a funcionária de um posto de gasolina ou a dona de um restaurante de beira de estrada vivida por Silvia Buarque, eles nunca encontram meios ou oportunidades de trabalhar que não envolvam exploração ou violência. Esse ciclo de dureza, de uma vida e uma sociedade que só faz bater neles quando estão caídos, culmina no explosivo clímax em que, no meio de um ato extremo de violência, Antônio indaga “o que a gente fez com a gente?” num momento que é igualmente catártico e trágico conforme ele e Teresa se tornam tão implacáveis quanto o mundo que os brutalizou.

Mais Pesado é o Céu é um duro conto de como as pessoas sempre encontram um meio de tentar sobreviver e lembra que há consequências de estar em constante contato com o pior da humanidade.

 

Nota: 8/10

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